Crítica: O Silêncio da Vingança (Silent Night) | 2023

Antes de falar deste O Silêncio da Vingança (Silent Night, EUA, 2023, 104 min), é preciso tomar um tempinho para falar de seu diretor, o grande John Woo. Nascido na China em 1946, Woo é um dos responsáveis diretos por meu amor pelo cinema. Tanto que o diretor foi o tema da minha apresentação no Conacine – O Congresso de Cinema Online, em sua edição de 2014. Quando eu era um pré-adolescente no início dos anos noventa, o cinema do diretor foi um dos alicerces da minha paixão, onde filmes como os clássicos Alvo Duplo (1986), The Killer: O Matador (1989), e especialmente o insano Fervura Máxima (1992), se tranformaram para mim em verdadeiras aulas sobre a Sétima Arte.

Em 1993, Woo iniciou sua fase americana, dirigindo o então megastar Jean-Claude Van Damme no sensacional O Alvo, e em 1996/1997, Woo alcançou o ápice na dobradinha A Última Ameaça/A Outra Face, dois sucessos de público e crítica estrelados por John Travolta, então de volta ao sucesso após Pulp Fiction: Tempo de Violência, lançado em 1994. Mas o início da década seguinte não foi nada boa para Woo em terras americanas. Seu aguardado Missão Impossível 2 (2000), foi mal-recebido pela crítica e performou abaixo do esperado. Dois anos depois, o diretor voltou a se reunir com o astro Nicolas Cage (com quem havia trabalhado em A Outra Face), para o thriller Códigos de Guerra, um fracasso completo de público e crítica que só não foi pior que seu O Pagamento (2003), um fraquíssimo thriller de ação sci-fi com Ben Affleck e Uma Thurman. Acabava aí a fase internacional de Woo, que voltou para a China onde passou os anos seguintes dirigindo épicos de aventura estilo O Tigre e o Dragão mas sem nenhuma perspectiva de alcançar os mercados internacionais novamente.

Joel Kinnaman em O SILÊNCIO DA VINGANÇA (SILENT NIGHT) | 2023 – Dir. John Woo

Mas como o mundo é maluco e não gira, ele capota, exatos vinte anos depois de O Pagamento, Woo está de volta em terras americanas com este “guilty pleasure” (ou na tradução livre, aquele bom e velho “prazer culpado”), de premissa simples e direta. Narrativamente, o filme acompanha a violenta vingança de seu protagonista, Brian (Joel Kinnaman, de O Esquadrão Suicida e o recente Sympathy for the Devil), cujo filho foi morto em uma troca de tiros entre gangues rivais no dia de Natal. Brian também é baleado na garganta pelo líder da gangue (Harold Torres), o que o deixa sem voz, e que também coloca em ação o plot virtualmente sem nenhum diálogo.

A ideia geral é a de um filme direto, um exercício de tensão sem tempo para nonsense vindo de um dos mais celebrados cineastas do gênero. Mas O Silêncio da Vingança já começa derrapando, enquanto Brian, em um suéter de Natal molhado de sangue, persegue as gangues rivais que disparam saraivadas de tiros de seus carros em movimento. Em seguida, nós passamos um tempo com ele e sua esposa, Saya (Catalina Sandino Moreno), enquanto ele se recupera no hospital, e só então quando eles retornam para casa dias depois, nós revisitamos o incidente e ficamos sabendo sobre a morte do filho do casal. É o equivalente emocional de revisitar a morte do cachorrinho do John Wick DEPOIS que ele já voltou ao jogo. No fim das contas, o filme de Woo não é tão direto assim.

Boa parte do filme é dedicado à preparação de Brian, uma vez que diferente de Mr. Wick, ele não é um assassino treinado. Ele precisa recriar a si mesmo numa espécie de herói de ação do zero. Woo aproveita bem esta ideia, já que as coisas dão constantemente errado para Brian. Kinnaman, com seus 1.90m de altura, se impõe fisicamente, e seu personagem procura trabalhar a imagem de matador da melhor maneira possível, mas ele repetidamente pisa no bola de maneiras que transformam o fluxo de cada luta em algo difícil de prever. Um herói de ação que tem o estilo, mas que não é muito bom nisso, é um personagem divertido de se acompanhar em brutal thriller sobre vingança. Mas então por que abrir o filme com Brian modo full pistola, pré-treinamento? O estilo acaba engolindo a substância nestas decisões iniciais da narrativa.

Ao mesmo tempo, o estilo é uma das coisas que segura O Silêncio da Vingança como um todo. Woo é um diretor de visão, e ele utiliza bem sua abordagem visual em detrimento da narrativa. Por exemplo, o filme utiliza o artifício da iluminação de maneira evocativa. No início, depois da vida relativamente “voltar ao normal” para Brian e Sara, a distância entre ambos é retratada pela forma com que Brian é colocado em uma garagem escura, iluminada por uma única lâmpada, enquanto sua esposa olha para lá de sua cozinha totalmente iluminada. Brian também se torna inclinado a ocasionais devaneios, e a deixa de que ele “escorregou” para um flashback é uma repentina mudança da luz para um amarelo suave. O Silêncio da Vingança descreve não apenas a vindoura fúria natalina do protagonista, mas também seu novo estado de ser, como se o luto e seu ferimento o tivessem mergulhado em um lugar mudo, destituído de luz.

Toques como este me mantiveram investido no filme, mesmo que a história tentasse ao tempo todo me perder. Kinnaman é o outro pilar da produção — seu físico e estilo expressivo de performance fornecem uma valiosa claridade emocional, sem falar que ele está ótimo ao vender a dor de suas lutas, o que mantém as cenas de ação altamente empolgantes. Mas confesso que me frustrei um pouco ao tentar levar a história à sério, a nível dramático, já que certas escolhas, principalmente no começo do filme, parecem encorajar tal decisão. Mas o quão sério o filme realmente se leva?

Meus elogios aos trabalhos de Woo e Kinnaman não deveriam criam a impressão de que este experimento destituído de diálogos é totalmente bem-sucedido, no entanto. Brian é o único que pode ser razoavelmente considerado um personagem; todos os outros são caricaturas, no máximo. As personagens femininas poderiam ser mais significantes, e o detetive interpretado por Scott Mescudi (X: A Marca da Morte) tem tão pouca presença em cena, que chega a parecer intencional. Pelo menos até seu papel finalmente sair da condição de observador passivo. As sequências de ação são bastante claras, mas o fio condutor emocional não se sustenta. Brian é excessivamente afetado pelas memórias de seu filho, às vezes no meio de uma briga, e o efeito disso acaba sendo mais absurdo do que realista — Woo e seu roteirista, Robert Archer Lynn, tentam extrair demais de algo que seria apenas um motor para a história. O relacionamento entre Brian e seu filho é completamente subdesenvolvido além do óbvio, então o quão investidos nós realmente poderíamos estar?

E então, há a questão em torno da mensagem do filme — não que eu me importe com isso, mas para aqueles buscando alguma nuance sobre o espinhoso tema da vingança, já aviso que não vão encontrar nenhuma. Qualquer conflito que se possa interpretar em torno de Brian e suas ações, tudo é solucionado ao final do filme. Quando ele estabelece a violência como resposta, Brian vira as páginas de seu calendário e rabisca “MATE TODOS ELES” no dia 24 de dezembro, como se ele estivesse agendando um compromisso. Em uma cena, enquanto sufoca um dos inimigos, ele tem uma visão de seu filho, e os clichês ditam que este é um momento de elucidação, ou despertar moral, mas ao invés disso, Brian sufoca o infeliz ainda mais forte. Ou seja, O Silêncio da Vingança tenta se mostrar para seu público como um genuíno drama, mas suas escolhas indicam o caminho contrário. Dependendo do tom que você decidir aceitar, será determinante para aumentar ou diminuir seu nível de diversão. Falando por mim, eu me diverti à beça.

Avaliação: 3 de 5.

O Silêncio da Vingança estreia nos cinemas brasileiros no dia 21 de dezembro.

O Trailer Oficial de O SILÊNCIO DA VINGANÇA (SILENT NIGHT) | 2023 – Dir. John Woo

4 comentários sobre “Crítica: O Silêncio da Vingança (Silent Night) | 2023

  1. Confesso q vi o trailer uns dias atras e fiquei curioso. Agora que soube q é do Woo, vou conferir certamente.
    Esse Kinnaman tem um certo carisma que me agrada, tipo de ator q segura bem qq filme mais ou menos.

    Curtido por 1 pessoa

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