Crítica: Stopmotion (2023)

A animação em stop-motion é um doloroso trabalho de amor, uma tediosa arte sobre controlar e manipular o espaço. Tal arte requer paciência e criatividade, algo que o diretor Robert Morgan conhece bem, já que ele próprio é um animador. Ele canaliza a experiência única de se manipular marionetes um milímetro por vez, para criar seu filme de estréia, sugestivamente chamado… Stopmotion (UK, 2023, 93 min). Apesar da especificidade do filme, Morgan ainda é capaz de criar uma história universal sobre insegurança e o profundo medo de nunca conseguir criar algo do qual você possa se tornar orgulhoso. Stopmotion subverte as expectativas do gênero com um olhar único sobre a narrativa do artista às beiras da insanidade, que mergulha nas profundas inseguranças que espreitam nos cantos escuros de toda mente criativa.

O filme se concentra em Ella (Aisling Franciosi, de Drácula: A última Viagem do Demeter), uma animadora de stop-motion que vive sob o teto de sua mãe exigente (Stella Gonet), ela própria uma lendária animadora cujas mãos já não são as mesmas devido à artrite. Ella precisa cuidar de cada necessidade de sua mãe, desde cortar sua comida em pequenos pedaços, até animar as criações dela. Ella não possui um rumo na sua vida. Suas ideias são constantemente rejeitadas, e ela se sente como uma marionete de sua mãe egoísta, que só demonstra amor através de constantes manipulações e insultos. Então, quando sua mãe sofre um forte derrame, parece que Ella finalmente será livre. Mas sem alguém que a coloque no caminho correto, ela se torna ainda mais insegura, incapaz de encontrar sua própria voz criativa à face de sua recém-encontrada independência.

Aisling Franciosi em STOPMOTION (2023) – Dir. Robert Morgan.

Graças ao seu namorado, Tom (Tom York), Ella consegue transformar um apartamento abandonado em seu estúdio, para assim conseguir finalizar o último filme de sua mãe. No entanto, quando uma misteriosa garotinha aparece dizendo que o filme é entediante, Ella descarta o primeiro projeto e opta por uma história nova, mais aterrorizante. A história é sobre Ashman, uma estranha criatura, que persegue uma mulher pela floresta. À medida que Ella dá vida à história, sua percepção da realidade começa a desmoronar, enquanto ela tenta desesperadamente fazer sua arte e provar seu valor.

No papel, Stopmotion soa como um olhar previsível sobre uma artista enlouquecida com sérios problemas familiares e que perde sua mente através de sua arte. Mas graças ao roteiro de Morgan e Robin King, aliado a incríveis efeitos práticos, e também aos aterrorizantes bonecos criados pelo designer Dan Martin, o filme está sempre alguns passos à frente de seu público, pronto para surpreender e enojar. Seu último ato fará o espectador se contorcer em sua cadeira, implorando por um momento para respirar entre os atos de violência. A fotografia de Léo Hinstin deixa a câmera tomar seu tempo nas vísceras, não importa o quão desconfortável seja, nos forçando a se deleitar na beleza artística das perversas criações de Ella.

A melhor palavra para descrever o filme é: visceral. A produção apela aos cinco sentidos, o que faz de Stopmotion uma experiência infernal e imersiva que arremessa seu público dentro da loucura de Ella. O impecável design de som de Ben Baird traz articulações humanas estralando como as engrenagens de uma marionete, uma vez que Ella percebe aqueles a seu redor como objetos a serem controlados. Este pequeno detalhe também nos revela a profunda arrogância de Ella, uma arrogância que nem sempre se manifesta externamente, mas que habita as profundezas de seu subconsciente. Suas criações envolvem carne apodrecida envolta em cera para autópsia, com o intuito de criar faces das quais você consegue praticamente sentir o cheiro através da tela. O público sente cada momento do filme, experimentando tudo ao lado de Ella. É quase que possível saborear a sujeira e o sangue em sua boca.

Tudo isso é, obviamante, trazido à vida pela incrível Aisling Franciosi, que já havia impressionado o público com sua espetacular performance no drama The Nightingale (2018). Aqui, não há um momento sequer sem que Franciosi esteja em cena, uma vez que ela carrega o filme em seus ombros. Sua expressão facial sozinha já é capaz de contar a história repleta de privilégio, abuso e exaustão de sua personagem; uma mulher que deveria ser feliz, mas que viu sua criatividade ser amputada por uma mãe controladora e uma devastadora quantidade de dúvidas sobre si mesma. Franciosi não torna Ella apenas digna de compaixão; ela faz dela alguém um tanto insuportável e metida, o que nos dá mais material para nos envolvermos com alguém que é muito mais do que apenas uma típica artista torturada.

O único aspecto não muito bem desenvolvido no bom roteiro da produção, é o relacionamento de Ella com sua mãe. Ainda que a dinâmica de poder entre elas seja rapidamente estabelecida logo no início do filme, tudo é meio que deixado de lado uma vez que Ella começa sua própria jornada criativa. Apesar de tal escolha se refletir nos verdadeiros sentimentos de Ella em relação à sua mãe, ao mesmo tempo é como se esta parte integral da identidade dela não seja devidamente explorada. O filme explora a ideia do trauma, no que acontece quando nossos pais nos enxergam mais como funcionários do que como filhos. O dano psicológico é profundamente implicado, sim, e Morgan mantém vago muito do que está acontecendo, de maneira proposital. Mas um pouco mais de tempo com a mãe de Ella teria levado o filme à perfeição.

Stopmotion não é um filme feito para ser completamente compreendido. Ao invés disso, é um filme para ser experimentado e deixado para apodrecer. Este pequeno filme é como um espinho perfurando a carne rosa e macia de nosso cérebro, e entre marionetes deliciosamente repulsivas, uma fenomenal performance central, e impecável design de som, Morgan cria uma experiência cinematográfica profundamente perturbadora e envolvente, que aborda as inseguranças que assombram a todos nós.

Avaliação: 3.5 de 5.

Stopmotion ainda não possui informação de lançamento em território brasileiro.

O Trailer Oficial de STOPMOTION (2023) – Dir. Robert Morgan.

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