Crítica: Love Lies Bleeding (2023)

Quem assistiu a estreia da diretora britânica Rose Glass em longas, o horror psicológico Saint Maud (2019), um filme repleto de terror, imagens chocantes e implacável suspense, nunca poderia imaginar que seu filme seguinte, este Love Lies Bleeding (UK/EUA, 2024, 104 min), seria algo que amplificasse ainda mais os elementos de sua primeira obra. Aqui, Glass conta uma história ensopada em sangue e músculos; trata-se de um filme sujo, suado e sexy, que trabalha tensão contínua e reviravoltas inesperadas. Com Saint Maud, Glass se mostrou uma nova e intrigante cineasta, e com Love Lies Bleeding, ela se revela uma exímia condutora de intensidade e tom, criando um dos filmes mais fortes deste início de 2024.

Do momento em que a aspirante a fisiculturista Jackie (Katy O’Brian), entra na academia gerenciada por Lou (Kristen Stewart), fica claro que existe uma conexão entre as duas. Lou não consegue tirar os olhos de Jackie, e não demora muito para a dupla começar um relacionamento, que logo tornará as duas inseparáveis. Lou tem feito o seu melhor para evitar o negócio criminoso de sua família, administrado por seu pai, Lou Sr. (Ed Harris), e decidiu ficar na cidade para proteger sua irmã, Beth (Jena Malone, de Engolidos e Rebel Moon: Parte I), de seu marido abusivo, JJ (Dave Franco). Para dificultar ainda mais as coisas, Jackie conseguiu recentemente um emprego na loja de armas de Lou Sr., graças ao fato de ela estar dormindo com JJ, que também trabalha no local. À medida que o abuso de Beth se torna pior, e o relacionamento entre Jackie e Lou se fortalece, a violência do negócio da família está prestes a tornar a vida de todos os envolvidos muito mais complicada.

Kristen Stewart em LOVE LIES BLEEDING (2024) – Dir. Rose Glass.

Love Lies Bleeding triunfa em cima das performances de Stewart e O’Brian, que compartilham de uma eletricidade inegável cada vez que estão em cena. Na performance de Stewart, cada reviravolta e seu impacto na personagem pode ser sentido na maneira com que ela luta contra seus momentos mais aterrorizantes, e só pela maneira com que ela movimenta seus olhos ou faz seus lábios tremerem durante estes cenários complicados, diz tudo o que precisamos saber sobre a personagem sem que ela precise dizer uma palavra. Esta talvez seja a melhor performance de Stewart, que melhorou muito como atriz ao longo dos anos.

Mas quem rouba a cena é O’Brian, que consegue alternar entre ser a namorada apaixonada e um verdadeiro gatilho de extrema violência, em questão de segundos. Ainda que o público compreenda a história de Lou e a escuridão inerente em seu passado, Jackie é mais imprevisível, uma fonte de incerteza em um filme onde todo mundo já está no limite. Em um dado momento, Lou fornece a Jackie alguns esteróides para que ela possa se preparar para uma competição de fisiculturismo. Enquanto assistimos ao impacto destas drogas em Jackie, uma situação já delicada se torna ainda mais incontrolável. Músculos explodem e a força de Jackie se torna inacreditável.

Quando Stewart e O’Brian estão em cena juntas, a química é flagrante. Suas personagens claramente não conseguem controlar o desejo que sentem uma pela outra, para o bem e para o mal. Uma fortalece a outra, mas às vezes, tal força passa do limite e escala de maneira aterrorizante. Stewart e O’Brian interpretam Lou e Jackie como se soubessem que elas estão vivendo uma grande história de amor da qual não podem escapar. Suas cenas são cheias de paixão, luxúria e amor genuíno, mas mesmo quando tudo indica que seria mais fácil para ambas fugirem e caírem na estrada, isso nunca parece realmente uma opção. Jackie e Lou se tornam uma espécie de versão anos 80, lésbica e anabolizada de Bonnie e Clyde, o que não me impede de imaginar a mesma história com um protagonista masculino no lugar de Jackie, o que com certeza se encaixaria melhor. Mas como estamos vivendo em tempos onde tudo precisa ser adaptado dentro da filosofia ‘woke’, é o que tem pra hoje.

Glass faz de Love Lies Bleeding uma obra pegajosa, e isso se torna muito claro no excelente elenco de apoio da produção. Franco nunca esteve tão medonho, e o ator é completamente bem sucedido em fazer o público abominar JJ mesmo antes dele aparecer em cena. O sempre fenomenal Ed Harris é outro que deita e rola dentro da natureza absurda da produção. Careca, mas com longos cabelos nas laterais da cabeça, e com seus sempre perfuradores olhos azuis, o ator, ao lado de Franco, dá ainda mais peso ao filme. Quem também está ótima é Jena Malone, no papel de uma personagem a quem o filme quer que tenha nossa imediata compaixão, e finalmente, Anna Baryshnikov (Manchester à Beira-Mar) interpreta a perturbadora Daisy, que está apaixonada por Lou e não consegue entender porquê o relacionamento não é recíproco. Daisy resume tudo o que faz deste filme um thriller desconfortável, imprevisível, e ao mesmo tempo engraçado e sombrio, onde tudo sempre parece meio fora de nossa dimensão.

Glass se junta novamente ao cinegrafista de Saint Maud, Ben Fordesman, e os resultados são belíssimos visualmente, mesmo quando são também brutais. De tomadas escuras banhadas em luz vermelha, estacionamentos encardidos, até momentos que beiram o fantástico, Love Lies Bleeding é sempre visualmente exuberante. A direção de Glass é segura e precisa, onde cada enquadramento é perfeitamente capturado para oferecer o máximo impacto. Desde momentos básicos, como Lou fumando na cozinha à noite, até intrincadas cenas de extrema violência, Love Lies Bleeding é editado de maneira altamente eficiente.

Também é fascinante ver como Glass e a co-roteirista Weronika Tofilska misturam tons e estilos ao longo do filme. Love Lies Bleeding se equilibra entre o romance, o thriller, e elementos do horror, e sempre consegue fazer justiça aos três. Ainda mais impressionante é como Glass e Tofilska sempre elevam os riscos ao máximo em todos os aspectos, deixando com que cada parte da história culmine em um terceiro ato inflexível e implacável. A maneira com que Love Lies Bleeding alterna entre amor e vingança sangrenta é um testamento à excelência de Glass e Tofilska.

Love Lies Bleeding é uma empolgante e frenética experiência que obtém diversas reações de seu público, algumas delas até extremas. É também um notável segundo filme de sua diretora, que mostra sua tremenda habilidade em construir tensão e criar um thriller totalmente imprevisível que não será facilmente esquecido.

Avaliação: 3.5 de 5.

Love Lies Bleeding ainda não possui título nacional e nem data de lançamento em território brasileiro, mas tais informações devem ser divulgadas em breve.

O Trailer Oficial de LOVE LIES BLEEDING (2024) – Dir. Rose Glass.

Um comentário sobre “Crítica: Love Lies Bleeding (2023)

  1. Pingback: Crítica: Saint Maud (2019) | Os Filmes do Kacic

Deixe um comentário