Crítica: X: A Marca da Morte (2022)

Posso me dar ao direito de dizer que acompanho a carreira do diretor Ti West desde seus primórdios. Desde seu surgimento com A Casa do Diabo em 2009, até seu amadurecimento com o western No Vale da Violência (2016). Depois de vários trabalhos na televisão, West finalmente está de volta às telonas (ainda bem!) com este X: A Marca da Morte (X, EUA, 2022, 105 min.), mais uma homenagem do diretor e roteirista ao cinema de horror independente do passado. West brinca com referências do slasher horror e do pornô, e cria uma perversa comédia dark sobre uma trupe de intrépidos cineastas, que traz de volta o espírito do cinema de guerrilha dos anos 70, que gerou tantos clássicos atemporais. West nem sempre opera no mesmo nível de suas influências, mas sua marca registrada – insuportáveis níveis de tensão em uma trama de ritmo lento – está mais do que presente.

X: A Marca da Morte tem início em uma isolada fazenda do Texas, que no momento está cercada de policiais. Algo terrível aconteceu neste local, uma vez que há um corpo coberto por um lençol ensanguentado e rastros de sangue ao longo de boa parte da propriedade. O filme então retrocede 24 horas, e é quando conhecemos Maxine (Mia Goth, de Suspiria e A Cura), uma dançarina exótica que trabalha na boate do pouca-ideia Wayne (Martin Henderson, de O Chamado). O casal, que compartilha de uma desconfortável relação musa/artista, acredita que estão destinados a mais, e Wayne está disposto a bancar a produção de um filme pornográfico de baixo orçamento, chamado “A Filha do Fazendeiro”, com Maxine no papel principal.

Mia Goth em X: A MARCA DA MORTE (2022)

Wayne também recruta Bobby-Lynne (Brittany Snow, de A Escolha Perfeita), uma loira gostosona ao estilo Marylin Monroe, e seu ex-namorado militar com uma ferramenta avantajada, Jackson (Kid Cudi, de Need For Speed: O Filme), para estrelar o filme. Completando a modesta equipe da produção estão RJ (Owen Campbell, de Tempos Obscuros), um jovem e ambicioso diretor que quer fazer um filme adulto com uma pegada mais artística, e sua quieta porém observadora namorada, Lorraine (Jenna Ortega, do novo Pânico). Uma vez completo, o time então embarca na van azul de Wayne e parte rumo ao cenário da produção, que consiste na isolada fazenda mostrada na sanguinolenta primeira cena do filme, que é propriedade de um casal de idosos.

Este desavergonhado grupo de entusiastas do cinema (e da boa e velha sacanagem), não é exatamente o que há de melhor na praça. E nem mesmo conhecem tudo o que se precisa saber sobre como se fazer um filme. Porém eles possuem a vontade de criar, de viver uma vida fora do anonimato e deixar sua marca no mundo. O próprio Wayne, que se porta como se fosse a última bolacha do pacote, está bancando seu filme com um orçamento de fome: RJ é o único que possui uma câmera, Lorraine opera o único microfone, e a fazenda que eles estão utilizando para as filmagens caiu no colo de Wayne por puro acaso do destino. Apenas um problema visível existe: Howard (Stephen Ure) e Pearl (a própria Mia Goth, sob uma pesada e repugnante camada de maquiagem); o velho casal, uma grotesca combinação de características inchadas e ossos protuberantes, com seus dentes podres e cabelo branco se desintegrando, não sabe que o grupo de visitantes está filmando um pornô em sua propriedade.

West conduz esta situação de crescente ansiedade com uma mistura de pavor e humor esperto, criando frequentes paralelos entre Maxine e Pearl. Pearl, em seu auge, chamava atenção por sua beleza e espírito livre. Mas hoje, ela anseia por juventude, por uma pele lisa, e deseja o tipo de sexo que Howard não é mais capaz de oferecer. Há uma ousadia, por falta de um termo melhor, na maneira instável porém intensa que Pearl se move, e é nítido o quão perturbada ela é. Ou se tornou. É inegável também a ameaça repulsiva que se esconde em Howard, e o espectador nunca está certo sobre quem é o vilão e quem é a vítima dentre os dois.

Não se esqueça que, é claro, X se trata de um filme pornô dentro de um filme de horror. Mas West trabalha tal fator com foco no humor, o que funciona muito bem. A audaciosa Bobby-Lynne é quem mais se entrega na função, com seus gemidos altos, etc. Já o bem-dotado Jackson é pura concentração, enquanto que as lentes de RJ (que carregam uma estética 16mm), sempre parecem focadas nos lugares errados nas horas erradas. Por mais que West mire nas gags, é clara sua admiração pelo comprometimento necessário para se fazer um filme adulto, e o diretor também se mostra enamorado pela atração exercida pelo sexo em relação ao ato de se produzir um filme. Lorraine e Wayne, por exemplo, não conseguem evitar o efeito quase hipnótico enquanto assistem Jackson e Bobby-Lynne performarem sua cena juntos. Seria o esfregar daqueles corpos o que os hipnotiza? Ou seria a visão do ato cometido especialmente para um filme? West nos direciona para a primeira opção, mas nunca se desfaz da segunda.

Assim como em boa parte de sua filmografia, West constrói a tensão pacientemente, através do suspense e da ambiguidade. A fotografia à cargo de Eliot Rockett trabalha com tomadas longas, o que permite que o tétrico cenário aos poucos consuma cada vez mais os atores. A segunda metade do filme guarda mortes brutais, que se tornam ainda mais impressionantes graças à edição afiada de West e David Kashevaroff, que capricha nos cortes sangrentos e no gore. O caos na segunda metade do filme garante uma boa quantidade de sangue e mortes criativas, para a alegria do fã do horror. X porém nunca esquece do humor, que oferece um bem-vindo contraponto à violência absurda que posiciona o filme um tanto distante do horror mais sério. X é um filme que não tem medo de ser divertido.

Ainda que X seja um engenhoso restart dos arquétipos do gênero, alguns escorregões impedem que o filme alce voos mais altos: a instigante razão por trás dos assassinatos, do sexo intoxicante, soa pouco desenvolvida, e o mistério por trás do casal de idosos é um tanto previsível. Mesmo assim, a fusão de duas energias diferentes porém um tanto relacionadas uma à outra – filmes adultos + slashers sangrentos – fornece um ângulo fascinante pelo qual interroga o horror de se envelhecer em relação ao status sexual. São duas linhas de tempo totalmente diferentes, infelizmente, acredito eu. A máxima “nunca é tarde” se aplica quase que em qualquer situação, exceto neste X.

Avaliação: 3.5 de 5.

X: A Marca da Morte fez sua estreia mundial no Festival SXSW, e será lançado pela A24 nos cinemas americanos no dia 18 de março. O filme será disponibilizado em breve para o território brasileiro.

O Trailer Oficial de X: A Marca da Morte (2022)