Crítica: Cuckoo (2024)

Os ornitólogos com certeza vão revirar os olhos e dizer algo como “Quem não sabia disso?” Mas foi novidade para mim descobrir que os cucos (sim, aqueles simpáticos passarinhos que vivem dentro dos relógios), são também conhecidos por serem verdadeiros parasitas de ninhadas (os cucos de verdade, não os de madeira!). Explico: por serem muito ocupados, ou preguiçosos, ou simplesmente maus, eles não criam seus próprios filhotes, então, eles depositam seus ovos nos ninhos de outros pássaros, e deixam para estes pássaros desavisados seus deveres como pais. O roteirista e diretor alemão Tilman Singer (Luz, 2018), transforma esta fascinante curiosidade da natureza dos pássaros em um cenário de horror reprodutivo que é mais estranho do que coerente com este seu segundo longa, naturalmente batizado de Cuckoo (ALE/EUA, 2024, 102 min).

Ainda em luto pela morte recente de sua mãe, a jovem Gretchen (Hunter Schafer, da série Euphoria), está lutando para suportar seu papel como parte da nova família de seu pai com sua madrasta e sua meia-irmã. Ainda mais pelo fato de ter sido praticamente arrancada de seu lar na América, e forçada a se realocar em um decadente spa/resort nos Alpes alemães. Ela aceita um trabalho de meio-período como recepcionista do hotel, esperando ganhar dinheiro suficiente para cair fora dali. Mas então as coisas começam a ficar estranhas. O agitado filme de Singer mergulha de cabeça na atmosfera nauseante e pegajosa que propõe, mas apesar de um terceiro ato que exagera na exposição, Cuckoo acaba tendo bem pouco sucesso no que diz respeito a um plot coerente.

CUCKOO (2024) – Dir. Tilman Singer

Cuckoo é um típico filme de sessão da meia-noite, que entrega uma quantidade considerável de gore e body horror nojento, à medida que Gretchen começa a escutar um curioso barulho que possui poder hipnótico; o tempo começa a falhar e se repetir; e uma feroz mulher de meia-idade com lancinantes olhos vermelhos parece estar caçando a protagonista. Falando em protagonista, Schafer entrega uma excelente atuação, e sua combinação de fragilidade andrógina com atitude de garota durona funciona incrivelmente bem. Ela carrega o filme, mas o mais divertido é assistir ao galã Dan Stevens (O Gabinete de Curiosidades) mastigando com gosto seus diálogos no papel do Sr. König, o enervante e perspicaz dono do resort. É mais um trabalho impecável deste ator sempre disposto a entregar algo novo na carreira.

É tentador presumir que Gretchen, com seu guarda-roupa hipster, seus fones de ouvido cobrindo suas orelhas, e seu sotaque que a situa a um mundo de distância da voz britânica de sua madrasta, Beth (Jessica Henwick, de Matrix Resurrections), e de seu pai, Luis (o sinistro Marton Csókás), é o epônimo cuco no ninho. Mas, sem entregar demais, digamos apenas que ela não é a única competidora para este título em particular. O que fica claro é que Gretchen não pertence a este funesto lugar, que parece ter sido arrancado do passado e que hoje existe, de maneira incômoda, fora de seu tempo.

O design de produção contribui de maneira significante para construir a atmosfera aqui. O resort, com seus bangalôs pintados há muito tempo com cores festivas, incomoda só de olhar. É impossível não associar o lugar com o famigerado Hotel Overlook de O Iluminado. A outra recepcionista, Trixie (Greta Fernández), se veste com roupas que parecem saídas diretamente dos anos 80, e a decisão de Tilman de capturar tudo utilizando filme, distancia ainda mais a produção dos dias atuais. A principal indicação de que a história é contemporânea é o uso da tecnologia: Gretchen liga repetidamente para a secretária-eletrônica de sua mãe falecida para ouvir sua voz; e a irmã não-verbal de Gretchen, Alma (Mila Lieu), utiliza seu celular para se comunicar.

Na arrepiante atmosfera evocativa, e na sugestão de atividades não-ortodoxas acontecendo no spa nas montanhas, o filme carrega semelhanças com o horror A Cura (A Cure For Wellness, 2016), do diretor Gore Verbinski. E é justo dizer que ambos os filmes sofrem com uma certa falta de clareza na narrativa. A trama de Cuckoo é desigual e incoerente; personagens-chave desaparecem por longo tempo, apenas para reaparecer a tempo do clímax repleto de sangue. Diferentes temas são reduzidos a mensagens familiares sobre autonomia do corpo feminino e a ameaça de experimentos científicos sem regulação, colocados sob os cuidados de um maníaco. Mesmo sendo bagunçado e frequentemente desconcertante, Cuckoo é tão maluco que chega a ser bom; trata-se de um filme comprometido com suas reviravoltas insanas e sua coleção de personagens divertidos e completamente desequilibrados.

Avaliação: 3 de 5.

Cuckoo ainda não possui data de lançamento oficial em território brasileiro, mas deve receber uma em breve.

O Teaser Trailer de CUCKOO (2024) – Dir. Tilman Singer

Um comentário sobre “Crítica: Cuckoo (2024)

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