Crítica: Pratfall (2023)

Existem algumas injustiças dentro do mundo do cinema que, infelizmente, nunca serão devidamente retificadas. Vamos pegar por exemplo, o ator Joshua Burge. “Quem?”, você deve estar se perguntando… Pois é. Burge, ator americano de 43 anos de idade, possui uma das faces mais expressivas do cinema atual. Existe uma qualidade nele quase que não-deste-mundo, devido aos seus olhos enormes e estrutura facial inusitada, mas há também algo relacionado a seu impactante senso de dualidade. Burge pode interpretar tanto o cara do interior de olhos arregalados que se sente ameaçado pela cidade grande, quanto uma ameaçadora figura da mesma cidade grande. Foi assim em diferentes papéis de sua carreira, como na trilogia independente que o ator trabalhou ao lado do diretor Joel Potrykus, formada por Ape (2012), Buzzard (2014) e Relaxer (2018), todos trabalhos absolutamente excepcionais deste peculiar ator, mas que infelizmente nunca alcançaram (e nem alcançarão) o grande público. Curiosamente, Burge esteve no ganhador do Oscar O Regresso (2015), ao lado de Leonardo DiCaprio e Tom Hardy, mas ninguém se lembra dele lá.

Neste Pratfall (EUA, 2023, 107 min), estreia do cineasta nativo de Los Angeles Alex Andre, Burge interpreta Eli, um insone falastrão que vaga pela cidade de Nova York acompanhado de uma turista francesa chamada Joelle (Chloé Groussard). Enquanto os personagens trocam opiniões sobre a vida e cultura, o próprio cenário se eleva como uma presença ameaçadora. Pratfall é um solene estudo sobre destino e traumas emocionais não-processados, que tem a Big Apple como uma imperdoável vilã.

Chloé Groussard e Joshua Burge em PRATFALL (2023) – Dir. Alex Andre

Pratfall tem início em média resolução, enquanto Eli caminha pela calçada, claramente abalado por alguém ou alguma coisa. O roteiro eventualmente revela que duas perdas devastadoras causaram a insônia e o comportamento errático do protagonista. Através de tomadas amplas e close-ups, Andre — também responsável pela fotografia do filme — explora como Eli se isola da cidade ao seu redor, apesar do personagem se apresentar como um nova-iorquino durão quando ele conhece Joelle, que chora durante sua primeira conversa com o protagonista, antes de desenvolver um genuíno laço com o homem. Andre, que além da direção, roteiro e fotografia, é responsável também pelo design de som do filme, faz fantástica utilização de antigas canções de Rhythm & Blues, ao invés de seguir a seleção padrão de vários cineastas indie: o Jazz. Com Eli firmemente estabelecido como um narrador não muito confiável, Joelle se torna um personagem iluminador, ao mesmo tempo em que observa e analisa seu novo amigo.

O título Pratfall deriva de uma técnica de atuação do antigo teatro de Vaudeville, em que um personagem embaraça a si mesmo em favor do humor — uma esperta referência a Buster Keaton (e também à esperança real de Burge em interpretar o ícone do cinema mudo em uma cinebiografia). Neste caso, Joelle funciona como uma espectadora da platéia, enquanto Eli repete e repete as mesmas palavras de maneira nervosa, embaraçando a si mesmo, mas não em favor do humor. A falta de uma backstory para os personagens funciona bem em Pratfall, já que isso ajuda o público a focar apenas na experiência de se viajar por dentro e ao redor do Central Park com estas duas almas, ao invés de apenas sentir pena de um homem que está à beira do colapso, e muito perto de ferir alguém ou a si mesmo seriamente.

No papel da co-protagonista, Groussard — em sua excelente estreia em longas — recua durante algumas cenas cruciais, como forma de complementar a instável energia de Eli. Na segunda metade da produção, o normal seria imaginarmos um relacionamento surgindo entre os dois personagens, se ao menos o protagonista masculino da trama conseguisse controlar a si mesmo. Mas trata-se de uma via de mão dupla, é claro, e Joelle não é nenhuma bobinha. Ela não compreende completamente os perigos que se escondem em cada esquina, ou como o comportamente de seu novo “amigo” poderia impactar negativamente sua viagem. Mas como os viajantes mais experientes já sabem, é o desconhecido que é sempre tão excitante, especialmente quando se visita uma cidade grande pela primeira vez.

Em sua essência, Pratfall é sobre identidade e responsabilidade. Em um mundo perfeito, Eli e Joelle passariam seus dias trocando histórias e construindo uma vida juntos. “Coisas acontecem… eventos ocorrem,” como Eli murmura para si mesmo durante os minutos iniciais. Ninguém está vindo para salvá-lo. Mas e se alguém pudesse entender e apreciar Eli, mesmo em seu estado confuso e paranóico? Pratfall não é um filme essencial sobre Nova York, mas é um indie de natureza única, que coloca a cidade tanto como protagonista quanto como vilã. O filme de estreia de Alex Andre remete à vibe de clássicos setentistas de Woody Allen como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977) ou Manhattan (1979), mas valorizado pelo melhor ator do qual, infelizmente, você nunca ouviu falar.

Avaliação: 3.5 de 5.

Pratfall fez sua première no Brooklyn Film Festival em junho do ano passado, e estará disponível em breve através do sistema de streaming MUBI.

O Trailer Oficial de PRATFALL (2023) – Dir. Alex Andre

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