Crítica: Infestação (Vermines/Vermin) | 2023

Eu não tenho problemas com aranhas. Não é um bicho que costuma me repugnar como as baratas, por exemplo. Diferente de outros insetos, especialmente as moscas, as aranhas não criam caso quando são colocadas pra fora de casa dentro de um copo ou em cima de uma folha de papel. Eu nunca vi uma aranha e gritei. E com certeza eu nunca me referi a uma aranha com uma frase do tipo: Essa aí é do tamanho de um carro.”

Mas depois de assistir a este Infestação (Vermines/Vermin, FRA, 2023, 106 min), filme do diretor estreante em longas Sébastien Vanicek, eu mudei de ideia. Um dos “creature features” (ou “filme de monstro”) mais arrepiantes, sinistros e nojentos que eu já vi, Infestação me transformou em um ávido inimigo destes abissais seres aracnídeos.

INFESTAÇÃO (VERMINES/VERMIN) | 2023 – Dir. Sébastien Vanicek

As coisas têm início com uma verdade bastante conhecida: se um filme começa com homens no deserto do Saara descobrindo alguma coisa misteriosa dentro de um grande buraco, você já sabe que a coisa vai escapar e causar um tremendo estrago. Um destes artrópodes desagradáveis é capturado e acaba indo parar nas mãos de Ali (Samir Nait), que, ao lado de seu nebuloso negócio envolvendo jóias, administra também um ainda mais nebuloso negócio envolvendo criaturas exóticas. O “Ali Express”, como ele próprio se chama, não tem a mínima ideia do quão letal sua mais nova aquisição realmente é, e quando o charmoso Kaleb (Théo Christine) se oferece para tirá-la de suas mãos, ele entrega o perigoso aracnídeo por meros 20 euros.

É fácil criticar Kaleb, um jovem irresponsável que não sabe o que está fazendo, mas acontece que o rapaz é um ávido colecionador de espécimes raros, de cobras a peixes até escorpiões assassinos. Christine preenche seu herói com genuína ternura e interesse; não só em todas as coisas envolvendo répteis ou insetos, mas também dentro do diverso ambiente de classe trabalhadora que forma seu esquecido conjunto habitacional em um ainda mais esquecido canto de Paris. Anyway, quando o perigoso ser araneomorfo finalmente escapa de seu quarto e começa a se multiplicar rapidamente — ao mesmo tempo em que se torna exponencialmente maior — Kaleb é forçado a lidar com sua própria irresponsabilidade, ao mesmo tempo em que precisa encontrar uma maneira de resgatar sua família e seus amigos.

Não faltaram oportunidades para Infestação se transformar em mais um daqueles filmes de monstro de sessões obscuras à meia-noite, ou talvez apenas uma releitura mais violenta do suspense noventista Aracnofobia. Porém, o diretor Sébastien Vanicek se compromete a entregar todo o potencial do material dentro do gênero, tanto na temática quanto na dramaticidade. Por exemplo, o roteiro preciso e seguro do próprio Vanicek em parceria com Florent Bernard poderia ser ensinado nas escolas como uma parábola de como utlizar poucos detalhes para criar suspense, brincando com nossas expectativas enquanto as aranhas começam a botar ovos e a merda a ser jogada no ventilador. Sem exageros… o filme se assemelha muito à maneira com que o clássico Alien de Ridley Scott economiza nos detalhes e na exposição.

Ajuda também o fato de que os laços emocionais do filme, seja entre Kaleb e sua irmã, Manon (Lisa Nyarko), ou entre Kaleb e seu amigo distante, Jordy (Finnegan Oldfield), são muito bem explorados, dando ao público algo em que se agarrar enquanto estes jovens adultos correm por suas vidas. Ainda mais impressionante é como tudo isso é embrulhado em um comentário sobre a relação cada vez mais problemática entre a polícia francesa e a população mestiçada que vive no país, especialmente nos bairros mais pobres. Por exemplo, quando o complexo habitacional onde vive o protagonista é completamente isolado para impedir que as aranhas escapem, e a polícia parece condenar apenas a classe trabalhadora e pessoas de cor pelas mortes, o subtexto político mostra como a França de Macron simplesmente não está funcionando.

Representando essa podridão moral está o exuberante design de produção. O bloco de apartamentos, que já lembrava um grande cortiço, é lentamente transformado de uma decadente moradia de energia elétrica intermitente, em algo que lembra a toca da aranha gigante em O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei — infestada de casulos, ninhos, corpos enterrados em teias e todo tipo de repugnância espreitando nos cantos. Apenas a breve presença de luz, como aprendemos no citado filme do diretor Peter Jackson, parece afastar as criaturas por tempo suficente para que nossos heróis possam escapar para algum lugar relativamente mais seguro. Manipulando tal espaço e experimentando na escuridão com naturalidade, a ousada fotografia de Alexandre Jamin alterna câmera na mão com tomadas feitas por drones, e quando a cena pede — Jamin utiliza até um impressionante zoom reverso de 360° na cena mais impressionante e revelatória do filme.

Com relação às aranhas propriamente ditas, aquelas pequenas e feiosas criaturinhas malditas, elas são um ótimo exemplo de como o CGI, quando utilizado da maneira correta, pode aprimorar o horror imensuravelmente. Ainda que as aranhas criadas por computador (e atuando ao lado de aracnídeos reais) pareçam mais ou menos fotorrealistas, o horror que elas produzem reside muito mais em seu poder sugestivo — quando são vistas em um reflexo no espelho, fazendo um sinistro som de “clique”, emergindo lentamente de uma boca humana — do que em sua visão frontal. Confesso que me senti realmente aterrorizado durante boa parte do filme, especialmente quando os bichos começaram a crescer até ficar do tamanho de um carro. Pensa num bicho maldito!

Avaliação: 3.5 de 5.

Infestação ainda não possui data de lançamento oficial em território brasileiro, mas deve ganhar uma em breve.

O Teaser Trailer Oficial de INFESTAÇÃO (VERMINES/VERMIN) | 2023

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