Crítica: Zona de Interesse (The Zone of Interest) | 2023

Durante a Segunda Guerra Mundial, os alemães designaram a área em torno de Auschwitz como a “zona de interesse”. A simplicidade do apelido era intencional, um outro eufemismo tão operacional quanto “campo de concentração”. Este austero filme sobre o Holocausto oferece um frio e implacável olhar sobre a vida de um dos comandantes de Auschwitz, cujo muro de seu quintal separava ele e sua família da barbárie.

Neste Zona de Interesse (The Zone of Interest, EUA/UK/POL, 2023, 105 min) livre adaptação do diretor e roteirista Jonathan Glazer para o epônimo livro de Martin Amis, Hedwig Höss (Sandra Hüller, do recente Anatomia de uma Queda), é a matriarca de um imponente lar. Ela cria seus filhos, manda nas empregadas, e cuida do jardim. Sua casa é vizinha ao campo de concentração de Auschwitz, onde os judeus estão sendo massacrados enquanto Hedwig e família desfrutam de refeições quentes e conforto.

Sandra Hüller em ZONA DE INTERESSE (THE ZONE OF INTEREST) | 2023

Enquanto que o romance de Amis ficcionaliza seus personagens, Glazer centra seu filme no verdadeiro Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante do campo e um dos oficiais em ascensão dentro da organização nazista. Uma assustadora e poderosa cena logo no início do filme mostra Höss discutindo os detalhes de um incinerador e como suas câmaras podem ser organizadas. Um verdadeiro gerenciamento sobre exterminação em massa; “Queime, resfrie, descarregue, recarregue,” alguém explica de maneira tão casual, que fica a impressão de que a conversa é sobre a compra de uma geladeira.

Auschwitz é de uma beleza pastoral. Afinal, o genocídio acontece fora de nosso campo de visão. As evidências do massacre — o ocasional disparo de uma arma, as colunas de fumaça que sobem ao céu, os gritos — são facilmente ignorados pela família Höss. São apenas detritos ambientais, uma pequena mancha no cenário idílico.

Não há muito aqui em termos de plot convencional, mas o conflito mais dramático para os Hösses acontece depois que Rudolf recebe ordens para ser transferido para uma cidade diferente. (O escritório recompensa trabalho duro com uma promoção.) Hedwig quer ficar. “Eles terão que me arrastar para fora daqui,” ela diz. “Nós estamos vivendo como sempre sonhamos viver.” Mais tarde, ela se refere a si mesma como a Rainha de Auschwitz. Zona de Interesse não é de maneira nenhuma um filme engraçado, mas algumas pérolas proferidas pelos nazistas promovem risos inevitáveis.

Confesso que gosto bastante do humor dark presente nos trabalhos anteriores de Glazer. No subestimado Reencarnação (2004), Nicole Kidman encontra um menino de dez anos de idade que pode ou não ser habitado pelo espírito de seu falecido marido. Com seu Sob a Pele, de 2012, o carisma da beldade Scarlett Johansson é substituído por uma congelante performance enquanto ela seduz estranhos e os submerge em meleca preta. (Ela é uma alienígena com motivos escusos, ainda que eles não sejam tão importantes, de qualquer modo.) É um filme que transpira inovação — não apenas na inspirada escolha de Johansson para o papel, mas também no fato de que Glazer filmou diversas cenas com câmeras escondidas, capturando uma das estrelas mais famosas de Hollywood flertando com homens que não sabiam quem ela era. (Surpreendentemente, com Scarlett usando um casaco e peruca, poucos conseguiram identificá-la.)

Assim como em Sob a Pele, o trabalho de câmera de Glazer é meticuloso e climático, amparado pelo cuidadoso olhar do cinegrafista Łukasz Żal, mais conhecido por seu primoroso trabalho com o diretor polonês Pawel Pawlikowski (Ida, Guerra Fria). A câmera se mantém distante dos personagens — eu não consigo me lembrar de um close-up sequer — o efeito é um tipo de remoção, que reflete o distanciamento que eles posuem de seus arredores imediatos. Assim como o roteiro, é um olhar que é duro e seco: as florestas bucólicas parecem excessivamente iluminadas, quase borradas; os interiores são frios e angulares.

Mas em maior parte, o peso da expectativa é sempre maior em um cineasta com os talentos de Glazer, especialmente quando o diretor lança praticamente apenas um filme por década. E não me entenda mal, Zona de Interesse é um filme notável, mesmo que alguns de seus melhores momentos às vezes sejam realizações técnicas. Pouquíssimos filmes da década passada conseguem ser tão assombrosos ou solenes.

Entretanto, é difícil saber exatamente o que nós deveríamos aprender aqui. Apesar de toda a inventividade formal de Glazer, as ideias centrais de Zona de Interesse são familiares. Os nazistas são autocratas cruéis; as atrocidades ressoam por gerações e gerações. Mesmo que o desejo por uma narrativa original sobre o Holocausto seja infrutífera, é difícil não desejar que as tensões do filme fossem animadas de maneira mais forte. Nada no filme aprofunda os temas com os quais ele lida.

Ainda assim, confesso que me encontrei profundamente mexido pelo truque que Glazer performa no final — um breve salto para Auschwitz nos dias atuais — para sinalizar o interminável horror do que foi escondido do espectador ao longo de todo o filme. Trata-se de um gesto meta-textual apontado na direção da produção do filme, que foi filmado em locação. É um daqueles momentos que custam a sair da cabeça do espectador (ou que nunca sai).

Pensando bem, talvez não seja assim tão difícil entender qual o real objetivo de Glazer e seu Zona de Interesse, afinal. Nós seguimos nossas vidas concentrados nas tarefas domésticas e nas limitantes ambições do local de trabalho, mesmo com tantas coisas abomináveis acontecendo no mundo. O filme de Glazer é uma eficiente produção sobre o Holocausto, mas funciona ainda melhor como uma sutil sugestão de como reconheceríamos o quão pequenas nossas vidas são, se nós apenas nos déssemos o trabalho de dar uma espiada por cima do muro.

Avaliação: 4.5 de 5.

Zona de Interesse ainda não tem data oficial de lançamento em território brasileiro, mas deve ganhar uma em breve.

O Trailer Oficial de ZONA DE INTERESSE (THE ZONE OF INTEREST) | 2023

Um comentário sobre “Crítica: Zona de Interesse (The Zone of Interest) | 2023

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