Crítica: Black Mirror | S04E06 – Black Museum (2017)

Muitos episódios de Black Mirror claramente se aproveitam de algum fenômeno da atualidade. E se você pudesse colocar filtros de conteúdo nos olhos das crianças? E se as hashtags matassem pessoas? E se a realidade tivesse um botão de “bloquear” alguém? Os dispositivos neste Black Museum não se encaixam exatamente neste tipo de descrição de alto conceito. E a crítica mais relevante neste episódio não é sobre qualquer desenvolvimento tecnológico específico, mas sim sobre quem é o responsável quando tais desenvolvimentos dão errado.

Black Museum é uma mini-antologia em três partes, semelhante ao excepcional episódio White Christmas, lançado em 2014. A trama tem início com uma viajante (Letitia Wright, de Pantera Negra), que encontra por acaso uma distante casa de atrações à beira da estrada, que dá nome ao episódio. Assim como a própria Black Mirror, o museu na beira da estrada é dedicado a contos sobre os perigosos efeitos da tecnologia. Neste caso, os eventos são reais, e o bajulador curador do local, Rolo Haynes (Douglas Hodge, de Coringa), está mais do que satisfeito em narrar alguns flashbacks.

Black Mirror | S04E06 – Black Museum (2017)

Haynes costumava ser um recrutador para experimentos neurocientíficos, e suas histórias envolvem protótipos que copiam ou compartilham sensações. No primeiro arco do episódio, um médico atormentado instala em si mesmo um implante de compartilhamento de sensações para melhorar o diagnóstico de pacientes, e acaba se viciando em níveis cada vez mais altos de medo e dor de outras pessoas. No segundo, um homem desolado com o coma irreversível de sua esposa, decide implantar a consciência dela em sua própria cabeça, mas aos poucos a aprisiona em uma prisão mental à medida em que o relacionamento deles começa a rachar. No último, um condenado esperando sua execução faz um acordo com Haynes, que o ressuscita como um holograma que os visitantes do museu podem torturar a seu bel prazer.

Os contos se encaixam no estilo de narrativa de Black Mirror, mas não em sua habitual moldura moral. Black Mirror frequentemente sugere que redes sociais, smartphones, e outras invenções contemporâneas simplesmente aceleram uma podridão endêmica no coração da humanidade. Episódios como Nosedive e Fifteen Million Merits deploram a cultura de massa, e quando os vilões aparecem, eles normalmente são menos sinistros do que a tecnologia que eles usam. Com Black Museum, a série finalmente oferece alguém para culpar.

A principal revelação de Black Museum não é que as pessoas são terríveis, ou que a tecnologia é perigosa, mas sim que Haynes é pessoalmente desprezível. Diferente de outro episódio da quarta temporada, Arkangel, este segmento não se apoia em consumidores clamando por algum produto cujo propósito é moralmente questionável; o alvo de Haynes são as pessoas que estão desesperadas a ponto de assumirem enormes riscos — um médico à beira de perder sua licença, um marido em luto, um homem de família no corredor da morte por um crime que não cometeu. A voz escorregadia de Haynes esconde o real propósito pérfido de suas escolhas.

Até certo ponto, Black Museum reflete uma mudança em como nós falamos sobre tecnologia. Plataformas como Facebook não mais parecem com espelhos da humanidade, nem mesmo os “espelhos negros” que dão nome à série. Elas agora se assemelham a abatedouros, amassando seus usuários em funis em direção a um estreito range de escolhas e informações. E as críticas começaram a ser direcionadas não para os sistemas sem face ou seus usuários, mas sim para os inventores irresponsáveis que exploram a vulnerabilidade humana. É como o investidor do Facebook, Sean Parker, declarou ano passado: “Os investidores, criadores — são eu, é o Mark [Zuckerberg], é o Kevin Systrom no Instagram, são todas estas pessoas — todos tinham consciência do que estavam fazendo. E fizemos de qualquer maneira.”

Entretanto, esta mensagem é entrecortada por quão marginal Hayes parece ser. A sociedade em geral parece genuinamente incomodada por seu trabalho, e após alguns fracassos com a alta roda, ele é chutado da empresa científica onde trabalhava. Quando o conhecemos, ele está conduzindo tours em um pequeno e entulhado estabelecimento à beira da estrada, e não fazendo conferências sobre como interromper o sadomasoquismo, ou algo do tipo. Para os padrões Black Mirror, é algo até otimista, especialmente se comparado a eventos do mundo real, como a companhia Theranos — que driblou regulações médicas para supostamente vender exames de sangue adulterados — e recebendo $100 milhões de dólares de um fundo privado para desenvolver um novo produto.

O único sucesso do museu é o projeto mais cruel de Haynes: uma exibição onde os visitantes podem eletrocutar um holograma senciente, e então ir para casa portando um chaveiro com uma cópia do holograma sendo eletrocutado. Mas a esposa do condenado começa um movimento de protesto, e ainda que ela não tenha conseguido libertar seu marido, ela consegue afundar a reputação do museu. Mas alguns sádicos ainda continuam a aparecer, é claro.

Aqui, é como se Black Mirror desvalorizasse o potencial horror do cenário. O sistema prisional americano — onde companhias telefônicas organizam esquemas de extorsão virtual, e empresas farmacêuticas se juntam aos governos de estado em torno da tortuosa criação e utilização de drogas para as execuções de seus condenados — tinha potencial para uma afiada hipérbole. Black Museum prefere uma alegoria mais genérica sobre a justiça punitiva, e ainda que o episódio aborde temas mais amplos como o racismo, sua narrativa não soa tão atual. Na verdade, o episódio obscurece a crueldade em escala industrial do encarceramento em massa ao focar na atração de beira de estrada organizada por apenas um homem. Após anos nos alertando que celulares e reality shows nos transformarão em monstros, Black Mirror aqui aborda a sociopatia pura e simples.

O episódio sugere que Haynes é o bode expiatório do ódio que se torna viral, enquanto outras pessoas adaptam os trabalhos dele com sucesso. (Ele aparentemente fez o trabalho de base para o “cookie” de implantes cerebrais presente no episódio White Christmas, por exemplo). Isso se aproxima da suposição usual da série: a de que as pessoas são muito estúpidas para compreender os verdadeiros perigos da tecnologia, e que elas direcionam sua raiva para assuntos superficiais. Porém, o episódio não desenvolve tal ideia além do ponto das meras referências. Da mesma maneira, a trama compara o público de Black Mirror aos visitantes do Black Museum — mas uma vez que ninguém parece realmente gostar do Black Museum, isso não é exatamente uma acusação.

Black Museum mantém uma história potencialmente dispersa nos trilhos, sem escorregar na direção de reclamações genéricas sobre a cultura moderna. Mas ao mesmo tempo, parece desconfortável em diagnosticar os problemas que apresenta. Seria um produto algo perigoso porque alguém sempre o utilizará para o mal, ou porque ele foi criado para tornar a maldade algo fácil? As pessoas aturam a injustiça porque são preguiçosas e ignorantes, ou porque são destituídas de poder? E quando um mascate high-tech começa a oferecer negócios que são bons demais para serem verdade, quem poderá impedi-lo?

Avaliação: 4 de 5.

Black Museum está disponível no catálogo da Netflix.

O Trailer Oficial de Black Mirror | S04E06 – Black Museum (2017)

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