Crítica: Nefarious (2023)

O thriller Nefarious (EUA, 2023, 97 min) já está circulando na praça há algum tempo (creio que já se passaram dois ou três meses desde que eu o assisti pela primeira vez), mas o filme está finalmente chegando aos cinemas brasileiros no próximo dia 02 de novembro, através da A2 Filmes. Assim como o recente thriller dramático Som da Liberdade, Nefarious também tem gerado bastante burburinho online, e se você já viu o trailer do filme, é fácil descartá-lo como apenas mais um filme de terror qualquer a chegar aos cinemas. Mas apesar dos defeitos da produção, seria um grande erro descartá-la totalmente.

Uma das razões do burburinho gerado pelo filme, é o fato de ser uma produção cristã, assim como o citado Som da Liberdade. Um filme cristão dentro do gênero horror? Alguns podem reagir negativamente, já que uma das maiores críticas sobre os filmes cristãos modernos é que os retratos da vida real são tão exageradamente otimistas que beiram a paródia. É raro ver uma produção cristã que aborde o tema do pecado. Sempre que alguém tenta derramar uma luz sobre as maldades que consomem nosso mundo todos os dias, as pessoas tendem a se sentir desconfortáveis à face das definições de certo e errado.

Sean Patrick Flanery e Jordan Belfi em NEFARIOUS (2023)

Como resultado, a maioria do conteúdo de entretenimento cristão não ressalta os problemas da sociedade com a imoralidade, porque acredita-se que é muito mais fácil ganhar as pessoas sendo otimista do que sendo verdadeiro. Nefarious se destaca não apenas pelo seu forte background cristão, como também pela maneira com que evita o estilo de filme de horror que transborda os clichês do gênero sobre demônios, onde plots medíocres são representados através de atores fracos que levam a 90 minutos de sustos mal-planejados. O subgênero se tornou tão formulaico, que o público nem sequer reage mais.

Nefarious já estabelece sua dinâmica logo de cara; Edward Wayne Brady (Sean Patrick Flanery, de Energia Pura), está no corredor da morte, vivendo os últimos momentos de sua vida após cometer uma série de brutais assassinatos. O psiquiatra Dr. James Martin (Jordan Belfi, do recente V/H/S/85), é enviado até a prisão para determinar se Brady está mentalmente apto para sua execução. E é aí que a coisa pega: Brady refere-se a si mesmo como Nefarious, um demônio que possuiu o corpo e a mente do verdadeiro Brady, forçando-o a cometer os crime que lhe deram a pena de morte. E para complicar ainda mais as coisas, Brady/Nefarious garante para Martin que até o final do dia, o bom doutor será responsável pela morte de três pessoas.

Nefarious é um dos filmes mais criativos a falar sobre fé e sobre a guerra espiritual pela alma humana. Um estudo de personagem que discorre sobre os efeitos da ausência da fé e de sua destruição, e para isso, o filme adentra algumas águas turbulentas, como a questão do aborto, por exemplo. Aliás, este foi o grande tópico de discussão gerado pelo filme, já que espectadores que fazem parte do espectro liberal/progressista da sociedade, obviamente enxergaram o filme como propaganda da direita cristã contra o aborto, o que valeu ao filme massivas críticas da imprensa especializada, que como sabemos, é formada em grande parte por profissionais da esquerda.

Acho que todos que aqui estão já ouviram falar do termo “guerra cultural”, quando se discute os efeitos que o entretenimento exerce em nossa sociedade. Nefarious vive pela crença de que não só vivemos esta guerra cultural, mas também a guerra espiritual mencionada anteriormente. A ideia é que ambas estão entrelaçadas, o que faz todo sentido, dado o extremo estado de polarização político-social no qual vivemos hoje. Esqueça tudo o que você sabe sobre o horror moderno quando entrar numa discussão sobre o filme, até porque as regras da velha Hollywood não se aplicam aqui. Nefarious é um filme reflexivo, que se apoia nos temores humanos sobre mortalidade, ao mesmo tempo em que questiona a visão secular e ateísta em torno da moralidade, e tudo se reflete na dúvida central se Brady é realmente o demônio que alega ser, ou se tudo o que sai de sua boca são apenas delírios de um homem ensandecido.

Sean Patrick Flanery está ameaçador como o personagem central, e o ator vende a seriedade do plot ao fazer o público se questionar a todo momento sobre a real natureza do protagonista. Esta natureza ameaçadora não se apoia em truques de câmera ou jump scares, mas sim apenas na presença de Flanery e em sua habilidade para canalizar múltiplas personalidades. Sua performance é tão boa, que faz com que crentes e não-crentes questionem sua própria moralidade à face de um confronto direto com um ser que alega ser um demônio.

Ainda que a atuação de Flanery como Brady e/ou Nefarious seja classe A, seu parceiro de cena, Jordan Belfi, também corresponde. Belfi interpreta um psiquiatra cuja abordagem direta e centrada não permite espaço para devaneios sobrenaturais. Seu personagem, pelo menos em um aspecto, representa o próprio mundo acertando as contas com o mal que ele inadvertidamente ajudou a criar, ou que ao menos foi criado através de sua ignorância voluntária. Como forma de aumentar a intensidade entre os dois personagens, a maior parte do filme se desenrola em apenas uma sala onde o detento e o psiquiatra se “confrontam” através de ótimos diálogos e uma narrativa eficiente.

Infelizmente, Nefarious escorrega em seus 15 minutos finais, quando aí sim, o filme descamba para a propaganda cristã excessiva e desnecessária, esticando demais o filme no pós-clímax, quando a empolgante dinâmica do um-contra-um já está fora da equação. Este “epílogo” arrastado e um tanto pedante acaba interferindo bastante no resultado da produção, que até então, demonstrava um ritmo e execução altamente eficientes.

De qualquer forma, você não verá muitos filmes do gênero sendo lançados e que farão você pensar no mesmo nível que Nefarious o faz. Trata-se de um filme que não é apenas entretenimento de qualidade, mas que também nos faz questionar de que lado da batalha entre o bem e o mal nós realmente estamos.

Avaliação: 3 de 5.

Nefarious será lançado nos cinemas brasileiros pela A2 Filmes no dia 02 de novembro.

O Trailer Oficial de NEFARIOUS (2023)

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