Crítica: Querido David (Dear David) | 2023

Existem algumas coisas que nós, como espectadores de um filme de terror, gostaríamos que os personagens deste tipo de filme NÃO fizessem: Não desça até o porão! Não vá explorar a fonte daqueles barulhos estranhos! E, sob nenhuma circunstância, não documente as coisas sinistras que podem estar acontecendo no seu apartamento enquanto você dorme, a não ser que você queira abrir um portal para algumas criaturas interdimensionais do barulho (Atividade Paranormal, alguém?)

Para o quadrinista do popular site BuzzFeed, Adam Ellis, o cínico personagem central deste tedioso e desorganizado Querido David (Dear David, EUA, 2023, 94 min), esta última regra parece não significar nada. Afinal, quando coisas estranhas e possivelmente sobrenaturais começam a acontecer em seu apartamento, ele decide monitorar a atividade. Pior ainda, quando ele não está dormindo, ele decide interagir com algumas assombrações da vida real. Ou seja, o crescente número de haters online que parecem atacá-lo de todas as direções no Twitter (leia-se esgoto a céu aberto).

Augustus Prew como Adam Ellis em QUERIDO DAVID (DEAR DAVID) | 2023

Será que um funcionário extremamente online do BuzzFeed como Adam (vivido aqui por Augustus Prew), não deveria saber melhor? Ou pelo menos ter o bom senso de seguir o conselho de sua colega de trabalho e melhor amiga, Evelyn (Andrea Bang), que o adverte: “Quanto mais você os alimenta, mais os haters online aumentam.” Se Adam ao menos a escutasse… e se ao menos Querido David não tentasse costurar estes dois horrores — o online e o fantasmagórico — de maneira tão desastrada…

Mas vamos retroceder alguns passos e explicar para quem não sabe, que este Querido David, filme dirigido por John McPhail e escrito por Mike Van Waes e Evan Turner, é baseado em uma famosa thread do Twitter que se tornou viral, postada na plataforma em 2017 pelo verdadeiro Ellis. Dificilmente você encontrará alguém que navegue pelas redes sociais, especialmente o Twitter, e não conheça a famosa frase que deu início a tudo: “Então, meu apartamento está sendo assombrado pelo fantasma de um garotinho, e ele está tentando me matar”. Mais tarde, Ellis revelou o desenho da tal criança, com parte de sua cabeça faltando.

As pessoas logo se envolveram em massa com a postagem. “Se muda”, a atriz Zoe Kazan aconselhou. E muitos ecoaram tal sentimento. Ao longo de vários meses em 2018, Ellis documentou suas experiências — sons estranhos, uma cadeira de balanço se movendo sozinha, Polaroids que eram reveladas completamente borradas, seus dois gatos curiosamente se reunindo à porta todos os dias por volta da meia-noite, insistentes chamadas telefônicas de origem não-identificada, e por aí vai…

Tudo isso, e mais, está no filme, junto dos longos episódios de paralisia do sono enfrentados por Ellis, que o tornam cada vez mais rabugento à medida que as semanas passam. Porém, por mais interessante (e assustador) que tudo isso soe em uma thread do Twitter, nada disso soa assustador ou interessante o suficiente para carregar um filme inteiro, principalmente com uma história que tenta (e falha) constantemente em convencer o espectador de que possui o que é necessário para manter nosso interesse intacto.

O início é até decente, onde Querido David tenta estabelecer o hype em torno do mundo imbuído de cultura pop habitado por Adam. O escritório do BuzzFeed é tão barulhento quanto alguém poderia imaginar, onde o arrogante chefe de Adam, Bryce (Justin Long, perfeito no papel), dispara frases adjacentes a memes como “conteúdo autêntico”, e os funcionários tentam criar a próxima novidade viral que irá “detonar” a internet. Nós logo temos a sensação de que Adam está casualmente colocado de castigo, já que não vem entregando nada das coisas mencionadas por seu chefe e seus colegas de trabalho há algum tempo. Mas quando ele começa a ser assombrado por um usuário anônimo do Twitter que utiliza a alcunha que dá nome ao filme, Bryce vê o potencial na situação, mesmo quando o ser começa a levar um Adam cada vez mais insone e inquieto ao limite.

O filme é altamente ficcionalizado, tomando diversas liberdades com relação à thread verdadeira. Isso é compreensível, uma vez que os tweets não conseguem se conectar para formar uma história completa (um problema semelhante ao enfrentado pelo filme Zola, em 2020, que também é baseado em uma série de posts nas redes sociais). O principal problema é que Querido David não parece saber como preencher estas lacunas entre os tweets. O público é frequentemente jogado para lá e para cá em meio às noites insones de Adam, seus fracassados relacionamentos com seus amigos e seu interesse romântico, a história em torno da criança que pode estar lhe assombrando, além de várias sequências cujo intuito é nos assustar, mas onde pouquíssimas funcionam.

Na verdade, estas tentativas randômicas de visualizar o terror vivido por Adam falham tão miseravelmente, que nos leva a questionar se Querido David é um filme de horror ou uma daquelas paródias que costumam enxergar o humor nos cansados clichês do gênero. Quase sempre, o filme infelizmente se aproxima da segunda opção.

Pode-se dizer que a pior decisão do filme se dá em seu ato final, quando Querido David tenta desesperadamente encontrar uma maneira de amarrar todas as pontas soltas em uma conclusão convincente. Mais uma vez os realizadores falham miseravelmente, já que a tentativa de resolver a história de Adam se revela bastante frustrante. Portanto, se você está à procura de um novo filme de terror para assistir nesta contagem regressiva para o Halloween, melhor deixar Querido David de lado. Leia a thread no Twitter, pelo menos é bem mais divertida. Isso se você conseguir suportar o cheiro de esgoto daquela fétida rede social.

Avaliação: 2 de 5.

Querido David será lançado nos cinemas brasileiros no dia 09 de novembro.

O Trailer Oficial de QUERIDO DAVID (DEAR DAVID) | 2023

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