Crítica: Camaleões (Reptile) | 2023

Camaleões (Reptile, EUA, 2023, 136 min), tem início com os lamentosos acordes da canção “Angel of the Morning”, da cantora Juice Newton, ressoando por uma sequência em que o casal de corretores, Will (Justin Timberlake) e Summer (Matilda Lutz), preparam uma luxuosa propriedade para visitação. A montagem então se divide entre Will apresentando uma conferência enquanto Summer passa um tempo na academia. Logo, a canção de Newton é interrompida. Tais momentos mundanos ao som de uma trilha-sonora tão inusitada são pensados para criar suspense logo de início: Summer eventualmente será assassinada em uma das propriedades vazias a qual representa. E Will é o principal suspeito.

Contudo, Camaleões, o primeiro longa de Grant Singer — um diretor de clipes musicais conhecido por suas colaborações com The Weeknd e Taylor Swift — não é realmente sobre Summer ou Will. Mas sim sobre o detetive Tom Nichols (Benicio Del Toro, também um dos co-roteiristas do filme). Nichols, com seu ar soturno e sua jaqueta de couro, não está apenas investigando a morte de Summer, mas também a podridão nas entranhas de seu departamento de polícia. O filme de Singer, adquirido e distribuído pela Netflix, tenta ser uma mistura entre o clima do cinema de David Fincher com a paranóia dos longas de Steven Soderbergh, mas acaba sendo apenas uma inofensiva homenagem ao cinema de ambos, sem suspense, lógica, ou vergonha na cara.

Benicio Del Toro em CAMALEÕES (REPTILE) | 2023

Ambientado nos subúrbios de Scarborough, na Nova Inglaterra, o filme, escrito por Benjamin Brewer (do interessante A Sacada), Singer, e Del Toro, luta desde o início para encontrar seu ritmo. Trata-se de um filme receoso das emoções de seu público, que opta por um score excessivo e edição truncada para nos conduzir pela mão ao longo do início da investigação. Seguimos, incomodados, por entre cenas onde Nichols interroga Will, e fragmentos da vida do detetive ao lado de sua esposa, Judy (a sempre bela Alicia Silverstone). O casal se mudou recentemente para esta cidade para escapar da Filadélfia, onde Nichols estava metido em um escândalo envolvendo seu parceiro corrupto. Mas mesmo na Nova Inglaterra, entretanto, Nichols permanece com a reputação manchada.

Não há muita intriga no caso em si. As pistas incluem um dos antigos clientes de Will que se tornou vingativo (Michael Pitt), o ex-marido de Summer (Karl Glusman, de God is a Bullet), e um fundo de investimento suspeito envolvendo as comissões imobiliárias de Summer. Nichols não as leva muito à sério, tornando fácil para o espectador ignorá-las também. A visão dentro do precinto não é muito melhor: O capitão de Nichols (Eric Bogosian) está lutando contra o câncer; o parceiro de Nichols (Ato Essandoh) é um típico melhor amigo; e outro colega, Wally (Domenick Lombardozzi) está abrindo uma firma de segurança privada e quer que Nichols se junte a ele. Há um mínimo de drama em ambas as esferas da vida do detetive, o que torna ainda mais difícil superar os excessivos 136 minutos de duração do filme.

O que é mais frustrante é que não existe um senso de ambientação ou local em meio às casas bem cuidadas que permeiam este abastado subúrbio da Nova Inglaterra. O quão significante é a presença da polícia? Qual é o tamanho da cidade? Existe alguma peculiaridade local, ou sobre seus residentes e seu modo de vida que deveríamos saber? Ao invés disso, Singer transita de cômodo em cômodo nas casas vazias que se acumulam em um aparentemente robusto mercado imobiliário. A área é tão desconectada da narrativa que as noites nebulosas que colorem estas cenas parecem o resultado de um sonho.

O que é pior, as performances parecem mal direcionadas. Justin Timberlake tenta entregar sua melhor imitação de Ben Affleck em Garota Exemplar, mas sem a intriga psicológica. A timidez inerente de Silverstone, tipicamente uma forte ferramenta de seu repertório, não se adequa em uma confusa narrativa compelida por minúsculos sinais, pequenas pistas, e motivos ambíguos. Ela frequentemente nos tira dos trilhos do filme de uma maneira que não soa intencional. O profundo elenco de apoio não se destaca em meio aos clichês, mas Del Toro como sempre escapa ileso, talvez por sua inclinação natural para interpretar personagens fora-da-caixa.

Camaleões não sabe como alcançar a profundidade que deseja. Após a primeira hora, o filme se arrasta por entre as pistas ruins e suposições ainda piores. Onde está o ritmo? Onde está o senso de clima ou tom? A edição opta por cortes rápidos para provocar empolgação, mas acaba inadvertidamente gerando risos; o filme força uma realidade dura que se torna desagradável, e a fotografia também nos mantém distantes através de tomadas por trás da cabeça dos personagens em frames destituídos de cor. A estética erra o alvo e faz o filme parecer uma paródia de trabalhos do grande David Fincher, e sugere a chegada de um diretor de videoclipes que tem boas ideias, mas que se ressente de um guia que as faça combinar.

O filme ao menos oferece um ato final de violência que resvala intencionalmente no absurdo, e quase redime o longa de seus pecados. É uma sequência brutal e barulhenta, e o filme de Singer seria infinitamente melhor se sua narrativa trouxesse mais destes momentos absurdos, ao invés de jogadas furadas cuja intenção é apenas apontar que policiais são corruptos. No final das contas, Camaleões não funciona nem como um thriller criminal, e nem como um suspense de detetive. Apenas Benicio Del Toro funciona, como já era de se esperar.

Avaliação: 2.5 de 5.

Camaleões estreia no catálogo da Netflix no dia 29 de setembro.

O Trailer Oficial de CAMALEÕES (REPTILE) | 2023

3 comentários sobre “Crítica: Camaleões (Reptile) | 2023

  1. Javier Bardem, Josh Brolin, Benicio Del Toro… quando esses caras estão em um filme penso que, geralmente, vou encontrar coisa boa. Esse ‘Reptile’ chamou minha atenção justamente por isso, mais um pra colocar na fila. Valeu!

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