Crítica: Relaxer (2018)

Em 2014, tive a oportunidade de cobrir a edição do Indie Cine Festival daquele ano, que ocorreu em alguns cinemas do circuito de arte de São Paulo e Minas Gerais. Foram duas semanas de incríveis descobertas do cinema independente americano e mundial, e uma das pérolas que pude conferir foi o peculiar Buzzard, filme dirigido pelo norte-americano Joel Potrykus, e que mostrava o terrível impacto da alienação em um jovem que após perder o emprego em um escritório, vê sua vida desmoronar em uma espiral de mentiras e más escolhas. O filme carregava uma mistura única de humor-negro e surrealismo, e acabou por ser uma das produções que mais me marcaram no festival daquele ano.

Em 2018, quatro anos depois de Buzzard, Potrykus voltou à cena com este “midnighter” de diferentes festivais, Relaxer (EUA, 2018, 91 min.), produção que traz uma vibe muito parecida com a do filme citado acima, e que conta inclusive com o mesmo protagonista, o esquisito e eficiente Joshua Burge. Desta vez abrindo e fechando seu filme ao som de música clássica (ao invés do habitual heavy-metal), Potrykus faz deste seu Relaxer uma meditação grunge sobre a boa e velha arte do relaxamento. Assim como Buzzard, Relaxer é dark e perturbador. E também muito, MUITO engraçado.

Joshua Burge em RELAXER (2018) – Dir. Joel Potrykus

O filme se passa no ano de 1999, período em que o mundo vivia a febre do Y2K (ou “bug do milênio”) e também o medo de um apocalipse. O recluso Abbie (Burge, mais uma vez ótimo) e seu maldoso irmão Cam (David Dastmalchian, de Boogeyman: Seu Medo é Real, Drácula: A Última Viagem do Demeter), vivem em um esquálido apartamento repleto de pichações nas paredes, folhetos sobre bandas de heavy-metal e lixo. Muito lixo. Os irmãos passam boa parte do tempo inventando jogos imbecis com os quais possam desafiar um ao outro, e quando Abbie falha em cumprir um dos desafios propostos pelo irmão (um desafio bem repugnante, diga-se de passagem), Cam, que adora uma maldade, propõe a Abbie o desafio definitivo: seu irmão não pode se levantar do sofá enquanto não superar o nível máximo do jogo Pac-Man no video-game da dupla. Nem é preciso dizer que a situação de Abbie vai ficando cada vez mais estranha e desesperada uma vez que o desafio começa…

Relaxer é todo ambientado dentro do pequeno apartamento dos irmãos. Alguns personagens secundários, incluindo um vagabundo conhecido da dupla (Andre Hyland) e uma ex-companheira de trabalho de Abbie (Adina Howard), aparecem para visitar, mas não importa o que aconteça ou quem apareça, Abbie nunca se levanta do sofá imundo. Potrykus movimenta sua câmera através do pequeno aposento, tanto em tomadas estáticas como em close-ups e zooms que são usados para esconder ou revelar detalhes. E depois de um tempo, Relaxer acaba ganhando uma qualidade imersiva, que deixa o público se sentindo como se estivesse preso em um lixão infestado de insetos e acompanhado de um monte de gente desagradável. Este efeito imersivo amplifica o impacto dos muitos momentos cômicos do filme, que vão desde piadas sem noção, passando por monólogos malucos sobre o filme Jerry Maguire, até gags gráficas que beiram o mau gosto.

Para quem conhece o filme anterior de Potrykus, este Relaxer não vai soar tão estranho, afinal, o filme continua mostrando o que Buzzard evidenciou com relação aos efeitos destruidores da alienação, seja ela através dos veículos de comunicação (principalmente), ou através da nociva convivência com pessoas ruins. Tanto o protagonista de Buzzard quanto os personagens centrais de Relaxer habitam um mundo sombrio, onde referências pop – em Buzzard o protagonista era obcecado pelo personagem Freddy Krueger da franquia A Hora do Pesadelo, um ícone pop dos anos oitenta; aqui o foco é no boom dos games da década de noventa e início dos anos 2000 – têm mais importância do que os acontecimentos do mundo real, o que é evidenciado nas personalidades doentes, mas não menos hilárias, de Abbie e Cam. Há também um discreto traço de depressão no protagonista, que de certa forma ajuda o espectador a entender porque Abbie se comporta de tal maneira triste e destrutiva.

Relaxer força sua inusitada premissa ao limite, e desafia sua audiência a permanecer à bordo. Mas aqueles corajosos o suficiente para seguir com o filme, serão recompensados com uma desconfortável, bizarra, hilariante e desoladora jornada através de um par nada comum de mentes completamente distorcidas e alienadas.

Avaliação: 3.5 de 5.

Relaxer esteve disponível no sistema de streaming Mubi, mas enquanto não retorna ao catálogo, pode ser encontrado através de plataformas informas de download.

O Trailer Oficial de RELAXER (2018) – Dir. Joel Potrykus

2 comentários sobre “Crítica: Relaxer (2018)

  1. Pingback: Crítica: Pratfall (2023) | Os Filmes do Kacic

  2. Pingback: Crítica: Tarde da Noite com o Diabo (Late Night with the Devil) | 2023 | Os Filmes do Kacic

Deixe um comentário