Crítica: Black Mirror | S04E05 – Metalhead (2017)

A antologia Black Mirror, criada pelo genial Charlie Brooker, é frequentemente celebrada por sua inteligência, seu estilo, e em alguns raros casos — como por exemplo no celebrado episódio San Junipero — por sua incrível e honesta sensibilidade emocional. Na maioria das vezes, entretanto, a série é conhecida por nos lembrar que a tecnologia com a qual nos cercamos todos os dias pode estar nos levando em direção a uma distopia infernal onde nossa própria humanidade pode ser perdida. Esta não é uma mensagem particularmente otimista, e em alguns episódios, nem mesmo uma mensagem plausível. A série não necessariamente fornece soluções para os problemas que ela mesma sugere, mas normalmente, ela nos entrega material para reflexão e algumas advertências: “Reflita sobre seu comportamento atual,” Brooker parece estar dizendo, “assim nós não terminamos como esses pobres infelizes.”

E então surge este Metalhead. De uma perspectiva do plot, Metalhead poderia ser visto como uma versão Black Mirror de O Exterminador do Futuro, porém reduzido à sua forma mais simples. Um robô de vigilância persegue uma mulher, Bella (Maxine Peake), e não vai parar até que consiga capturá-la. Este não é um robô comum, entretanto; trata-se de um robô em forma de cachorro ao estilo Boston Dynamics, com um design paupérrimo e uma interminável e implacável variedade de ferramentas e táticas ao seu dispor. Enquanto o episódio transcorre através de uma série de vinhetas de ação visceral, não há nenhuma mensagem elaborada ou mesmo uma palavra de aviso para o espectador. Metalhead é apenas um perturbador lembrete de que o futuro está vindo, e não irá parar. Nunca. Até que estejamos mortos.

Maxine Peake em Black Mirror | S04E05 – Metalhead (2017)

Como a maioria dos episódios de Black Mirror, Metalhead se situa em um futuro não-especificado sem qualquer cerimônia ou explicação. Há um trio de personagens, liderado por Bella, seguindo em um carro pelas estradas vazias, e se lamentando pelo fato dos animais de fazenda terem desaparecido do cenário, todos eles eliminados pelo “cães.” Uma breve linha de diálogo sugere que esta sociedade do futuro é extremamente desigual, e o episódio é todo capturado em uma granulada fotografia em preto-e-branco. Ao juntar tudo isso, os elementos transmitem a sensação de um mundo estéril e economicamente preconceituoso.

O objetivo do trio, como logo ficamos sabendo, é invadir um armazém para roubar algo para um membro da família de Bella, que se encontra gravemente doente. Mas após entrarem nas instalações, o cachorro robótico aparece, disparando projéteis rastreadores nos invasores, para em seguida matá-los. O bicho inclusive assume o controle de um veículo, forçando Bella a sair da estrada e dando início a uma fuga desesperada pelos pântanos escoceses, onde a corajosa mulher precisará lutar para sobreviver.

Como exercício de ação, o episódio é implacavelmente eficiente. O diretor David Slade (30 Dias de Noite, Black Mirror: Bandersnatch) pisa no acelerador logo de cara e não tira o pé, capturando as desesperadas tentativas de fuga da protagonista com sensibilidade, ao mesmo tempo em que nunca se esquece da ameaça ao redor. Quando se assiste a Metalhead, não há tempo para questionar se a máquina de design canino é um efeito prático ou algo gerado por computador. Slade filma o robô de maneira simples, sempre preso à realidade, e seja perseguindo uma van ou rastreando Bella através das pedras à beira de um rio, a abordagem pinta a criatura como uma ameaça indestrutível e visceral, criando alguns dos momentos mais tensos de toda a antologia Black Mirror. O episódio é curto — pouco mais de 40 minutos, incluindo os créditos — mas seu conteúdo é tão nervoso e compacto, que é difícil imaginá-lo como algo com uma narrativa mais longa.

Em uma entrevista, Brooker declarou que seu roteiro original incluía alguém controlando remotamente o cão nos bastidores, o que teria transformado Metalhead em um episódio sobre tecnologia de drones ao invés de robôs automatizados. Francamente, o episódio funciona melhor com os cortes feitos por Brooker, o que torna o cão algo mais alienígena e aterrorizante, ao contrário do que seria basicamente uma arma conduzida por um controle remoto.

Esta visceral história de perseguição remete a filmes como o clássico Encurralado (1971), mas como sempre, Black Mirror segue em seu tema da ameaça tecnológica, o que adiciona uma camada de subtexto ao jogo de gato e rato (ou melhor, gato e cachorro). O robô está cheio de características e configurações que o espectador irá reconhecer de seus próprios smartphones e computadores: modo soneca, rastreamento por GPS, e o que parece ser algum tipo de carregamento em modo wireless. Trata-se de um dispositivo eletrônico criado para matar, que transforma em arma aquilo que normalmente conhecemos como características para aumentar nosso conforto. Em um dado momento, o infindável ataque do cão começa a parecer com a implacável e irrefreável marcha da própria tecnologia, algo que não pode ser parado e nem controlado. Os seres humanos podem até tentar enganar a tecnologia, como Bella tenta fazer ao longo do episódio, mas a implicação é de que a humanidade foi capaz de projetar a arma perfeita, e aqueles infelizes azarados do outro lado da invenção estão perdidos.

Esta última ideia é levada em consideração nos instantes finais do episódio. Apesar da desigualdade econômica mencionada no início da narrativa, Bella corre por um complexo que inclui residentes claramente ricos que acabaram encontrando seu próprio fim. Isso torna a ameaça em torno do cenário de Metalhead ainda mais pérfida. Nem mesmo a riqueza e os privilégios são suficientes para sobreviver em um mundo cercado por uma ameaça tão sinistra, onde nem mesmo as crianças estão salvas das atrocidades. Tudo o que existe é o implacável avanço da tecnologia e nada mais.

A fotografia em preto-e-branco é uma bem-vinda mudança estética na série, e vale a pena observar também a excelente integração visual do cão robô no cenário natural. Para uma série que visivelmente se apoia bastante em telas transparentes em todas as direções e nas ambientações pseudo-futuristas, o estilo primal, quase analógico de Metalhead é um destaque dentro da antologia como um todo. O episódio não se coloca em um momento cultural específico ou dentro de uma tendência tecnológica como outros episódios fazem. Este é sobre o plano geral. Nós reconhecemos os fortes avanços dentro da robótica hoje em dia, e ao sugerir que essa mesma robótica será eventualmente transformada em arma para servir à elite da sociedade, Black Mirror acaba criando uma tremenda crítica sobre a própria tecnologia.

Enquanto que grande parte da história de origem desta realidade permaneça vaga em Metalhead, é fácil imaginar Brooker pensando em uma empresa como a Amazon quando retratou o misterioso armazém repleto de mercadorias do episódio. Drones que fazem delivery não são tão diferentes assim de cães-robô patrulheiros, afinal de contas, e um armazém onde humanos não são mais necessários graças aos avanços da robótica seriam uma esperta explicação para a ruína econômica que parece ter afligido os personagens em Metalhead. Porém o episódio não é assim tão literal, e seu escopo sugerido é muito mais amplo. Alguns episódios de Black Mirror criticaram a cultura das mídias sociais (Nosedive e Hated in the Nation são os mais notórios deles), ou os perigos da realidade aumentada (Playtest), mas ao manter a história deste episódio tão direta e linear, Brooker é capaz de transformar Metalhead em algo muito maior. A tomada final do episódio é um soco no estômago que sugere que Brooker não estava falando sobre robôs ou mercadorias, mas sim sobre a perda da inocência humana — tudo em nome do “progresso”.

Dependendo do seu ponto de vista, Black Mirror mostra o seu melhor ou seu pior quando retrata seu mundo verdadeiramente sem esperanças, escancarando sua visão cínica da tecnologia e da humanidade. Metalhead é um episódio que se situa de maneira sólida dentro da primeira opção. Com exceção das emoções da perseguição em si, não há esperança de um final feliz em Metalhead. O episódio é carregado de tensão contínua, na realidade ele é tão tenso, que mitiga até o fator diversão ao assisti-lo. Anyway, é este tipo de dicotomia que faz de Black Mirror algo tão mesmerizante em primeiro lugar.

Avaliação: 3.5 de 5.

Metalhead está disponível no catálogo da Netflix.

O Trailer Oficial de Black Mirror | S04E05 – Metalhead (2017)

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