Crítica: Mindörökké (Perpetuity) | 2021

Finalizando a retrospectiva do cinema do celebrado e aclamado diretor húngaro György Pálfi aqui no Filmes do Kacic, é hora de falar do filme mais recente do diretor, cuja filmografia apresenta trabalhos distintos, desafiadores e confrontadores, como Hukkle (2002), Taxidermia (2006), Queda Livre (2014) e A Voz de Seu Mestre (2018). Pálfi se tornou o raro tipo de cineasta cujos trabalhos são vistos por poucas pessoas, mas que uma vez que um de seus filmes é encontrado e visto, não deixa mais de ser procurado e analisado, mesmo com a eterna guerra travada pelo diretor para conseguir financiar seus filmes (uma questão que ele próprio já denunciou diversas vezes, já que a Hungria não favorece o mercado cinematográfico e seus artistas).

Depois de sua adaptação de vanguarda da ficção-científica filosófica do seminal autor Stanislaw Lem, o citado A Voz de Seu Mestre, o desbravador cineasta húngaro retorna ao cinema low-profile com este Mindörökké (Perpetuity, HUN, 2021, 77 min.), que por sua vez também amargou cinco anos de limbo na pós-produção. Com lançamento primeiramente agendado para 2016, e na época batizado de ‘For Ever’ (baseado em um conto de Sándor Tar), o projeto parecia fadado ao esquecimento até chegar a notícia, seis anos depois, de que Pálfi estaria finalizando um pacote de três filmes, sendo este Mindörökké um deles.

Attila Menszátor-Héresz em Mindörökké (Perpetuity) | 2021 – Dir. György Pálfi

Ambientado em um futuro próximo, o filme acompanha Ocsenás (Tamás Polgár), um homem que vaga pelo interior da Hungria pós-apocaliptica à procura de qualquer coisa que possa lhe ser útil, vasculhando em meio aos destroços de aviões derrubados. A Europa esteve em guerra por muitos anos, e Ocsenás, além de suas buscas, procura ajudar em um hospital local. Soldados feridos continuam a aparecer, mas as circunstâncias de suas feridas e traumas não são discutidas abertamente. O protagonista passa seu tempo livre em um bar que funciona também como loja de penhores, onde ele troca o que encontra por bebida. Todo o vilarejo parece funcionar à base de álcool; nenhuma outra moeda é utilizada nas transações.

O vilarejo, com suas casas dilapidadas, quase não possui habitantes; os homens mais velhos, considerados inúteis para o combate, passam o tempo no bar, enquanto os civis restantes são aterrorizados por um atirador de elite desconhecido. Seus alvos mais frequentes são mulheres e crianças, então Ocsenás não o incomoda. Um dia, o protagonista encontra um novo companheiro, um peculiar beberrão local e mais uma existência perdida das terras devastadas, Béres (Attila Menszátor-Héresz), que mantém uma comissária de bordo sobrevivente de um dos aviões derrubados como sua serva pessoal.

Não acontece muita ação no mundo desolador de Mindörökké. Ocsenás navega o local dominado pelo tédio e pouco significado, onde a aparência é de uma civilização e humanidade desintegradas. O filme de Pálfi parece ser uma tentativa de conciliar cinema de gênero com um conceito de cinema lento e existencial com uma óbvia inclinação política. O vilarejo parece viver em sua própria bolha, e não é difícil encontrar paralelos com os tempos atuais, quando a sociedade é excessivamente polarizada e radicalizada. O protagonista tenta encontrar um pouco de felicidade e alegria de viver na desolada realidade que frequentemente o leva a agir como uma criança.

Mindörökké é um romance de duas facetas; uma história de amor no fim do mundo em que Ocsenás corteja uma enfermeira de maneira estranha, e um inusitado ‘bromance’ com o violento Béres. O anseio por contato humano e camaradagem persevera em tempos onde não há esperança. A falta de plot do filme corresponde à viagem sem propósito de seus personagens, um vazio que Béres, por exemplo, tenta preencher com a constante bebedeira e violência desmedida.

O filme compartilha uma sutil vibe de desilusão com a humanidade (ou com a Hungria do então presidente Viktor Orbán), que lembra uma versão do leste europeu do livro/filme A Estrada, do grande escritor americano Cormac McCarthy, onde Pálfi enquadra sua história dentro do estado ideal de co-habitação comunal. Ao invés do ‘fogo’ de McCarthy como um símbolo de fé, os personagens do mundo de Pálfi passam adiante uma garrafa de álcool, como se um lubrificante social fosse algo indispensável para preservar a sanidade — ou prevenir uma tratativa sóbria da situação — à face da total falta de significado ao redor.

No entanto, Mindörökké pode servir como nada além de um band-aid temporário até que aqueles outros filmes de Pálfi possam ser lançados. O diretor já declarou que tanto as filmagens quanto a pós-produção foram conduzidas sem dinheiro nenhum em caixa, e que o trabalho só foi completado graças a uma equipe de profissionais dedicados. O produto final, entretanto, excede as noções e expectativas de um exercício de cinema feito na raça. Neste sentido, Mindörökké é um triunfo deste tipo de empreitada cinematográfica.

Avaliação: 3 de 5.

Mindörökké esteve disponível no sistema de streaming Mubi, mas não se encontra disponível no momento. O filme pode ser encontrado através de plataformas informais de download.

O Trailer Oficial de Mindörökké (Perpetuity) | 2021 – Dir. György Pálfi

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