Crítica: Bom Garoto (Good Boy) | 2023

Christian (Gard Løkke), um rapaz charmoso e tímido, conhece a descompromissada estudante Sigrid (Katrine Lovise Øpstad Fredriksen), em um aplicativo de relacionamentos. A atração de um pelo outro é orgânica e imediata, apesar de suas diferentes personalidades. Então, quando Christian propõe a Sigrid que ela passe a noite em sua casa após seu primeiro encontro, ela não hesita em aceitar.

Bom Garoto (Good Boy, NOR, 76 min.), tem início como uma típica comédia romântica independente; o diálogo é adequadamente meloso e o ritmo é ligeiro, na mesma velocidade do romance que desabrocha entre as partes do casal recém-formado. Portanto, quando Christian confessa a Sigrid que ele tem um cachorro chamado Frank, tanto ela quanto o público (pelo menos aqueles que não sabem onde estão se metendo), não acha nada demais. Pelo menos até a manhã seguinte após ela passar a noite; Frank na verdade não é um cachorro, mas sim um homem numa fantasia de cachorro.

Katrine Lovise Øpstad Fredriksen em BOM GAROTO (GOOD BOY) | 2023 – Dir. Viljar Bøe

Esta é a primeira vez que o diretor e roteirista Viljar Bøe puxa o tapete do espectador. A escrita de Bøe assegura que, gradualmente, o público aceite a realidade desta estranha situação, ao mesmo tempo que Sigrid. Uma vez que o choque inicial é superado, nós começamos a aceitar a bizarra dinâmica do relacionamento entre Christian e Frank. Christian assegura a Sigrid que sua relação com Frank ‘o cachorro’ não envolve nada sexual. Ele cumpre sua parte no relacionamento porque Frank tem sido seu amigo desde a infância, e é o próprio Frank quem escolhe viver desta maneira.

O curioso é que de certa forma, o público simpatiza com Frank com relativa facilidade. Esta aceitação de tal relacionamento tão incomum me relembrou de outro filme, A Garota Ideal (Lars And The Real Girl, 2007), onde o personagem-título, magnificamente interpretado por Ryan Gosling, inicia um relacionamento com uma boneca sexual; uma vez que a estranheza da situação é superada, peguei a mim mesmo se importando pelo parceiro “não-humano’ da relação, e investido emocionalmente no amor de um pelo outro. Mas a empatia que sentimos por Frank ‘o cão’ é eventualmente usada contra nós, à medida que uma sequência crescente de eventos perturbadores recai sobre o estranho triângulo amoroso.

Bom Garoto se transforma em um jogo de poder e uma exploração de como nós coagimos diferentes pessoas para obter o que queremos ou o que esperamos delas. O plot é centrado em temas como controle coercitivo e a disputa pelo poder encontrada nos relacionamentos, incluindo as características dominantes encontradas e exibidas entre nascisistas e seus parceiros submissos. Primeiro repelida pelo perturbador relacionamento entre Christian e Frank, Sigrid começa a repensar suas ideias após conversar com sua companheira de quarto, Aurora (Amalie Willoch Njaastad). Sua companheira descobre que Christian é um multimilionário e convence a amiga a perseguir o relacionamento, apesar de suas preocupações em torno do comportamento inquietante de Christian.

Somos coagidos diariamente; empresas de publicidade nos levam a comprar seus produtos; nossos parceiros/as nos coagem com um reforçamento psicológico positivo ao nos presentear ou elogiar. Em Bom Garoto, Sigrid é coagida a entrar em um relacionamento possivelmente perigoso devido à atração por um estilo de vida privilegiado. Bøe toma seu tempo ao construir o mundo doméstico de Christian, Frank e Sigrid. O público recebe pouquíssimos diálogos em troca de uma perspectiva voyeur do triângulo em formação.

Parte um drama psicológico e parte uma comédia irreverente, Bom Garoto se transforma abruptamente em um cabuloso thriller de horror quando você menos espera. Bøe manipula de maneira genial o seu público, assim como os personagens em cena se tornam vítimas de táticas de manipulação. Nossa coleira é puxada de tal modo que nos guia até territórios desconhecidos, e lá somos deixados para acompanhar os eventos finais desta estranha e chocante história.

Existe também um subtexto de crítica social relacionado à questão de classe; os abastados sempre reinarão no topo da pirâmide da sociedade, enquanto que aqueles mais abaixo na hierarquia continuarão a encontrar a si mesmos em uma desesperada luta para atingir o mesmo nível de conforto. Bom Garoto brinca com nossas próprias expectativas sociais e as utiliza contra nós, garantindo que a maioria do público não consiga antecipar o que diabos virá a seguir na narrativa.

A genialidade desta bizarra história reside em sua habilidade de subverter as expectativas enquanto nos leva por um caminho cada vez mais escuro. Com uma duração de parcos 75 minutos, este perturbador conto de fadas não arrasta sua proposta e entrega o que promete em sua chocante conclusão. Uma sinistra nova abordagem ao clichê do ‘melhor amigo do homem’, Bom Garoto aproveita seu sólido plot, seu fantástico elenco, e sua premissa única, para nos manter investidos em sua loucura o tempo todo.

Avaliação: 3.5 de 5.

Bom Garoto foi exibido em abril deste ano no Festival Fantaspoa, mas ainda não possui informação oficial de lançamento em território brasileiro.

O Trailer Oficial de BOM GAROTO (GOOD BOY) | 2023

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