Crítica: Black Mirror | S04E02 – Arkangel (2017)

Dirigido por Jodie Foster e escrito por Charlie Brooker, Arkangel não se apoia em espertas reviravoltas ao estilo Black Mirror. Ao invés disso, o episódio choca e leva à reflexão através de uma narrativa linear e do maior motivador da antologia em geral: o medo. Na cena de abertura do episódio, somos apresentados a uma mãe solteira que nervosamente aguarda seu primeiro filho através de uma cesariana. Uma gentil enfermeira a guia pelo processo, e até oferece sua mão para a mãe segurá-la. Trata-se da única sensação de conforto que obtemos em um ambiente frio e estéril, ausente de um marido apoiador ou um membro da família que possa aconselhar e prestar assistência.

A mãe em questão é Marie (Rosemarie DeWitt), que está obviamente ansiosa para conhecer a criança que ela carregou dentro da segurança de seu ventre por nove meses. Quando sua filhinha finalmente chega ao mundo, ela o faz silenciosamente, o que faz Marie temer pelo pior. A enfermeira assegura que tudo ficará bem, enquanto os médicos cuidam da criança, mas Marie não consegue se acalmar – cada fibra de seu ser pressente que algo está errado, até que finalmente, sua filha, Sara, chora pela primeira vez.

Black Mirror | S04E02 – Arkangel (2017) – Dir. Jodie Foster

Alguns anos se passam, e um dia, Marie leva sua filha pequena para o parque. Enquanto Sara explora o local e fica amiguinha de um gato, Marie começa a conversar com outra mãe. Em uma questão de segundos, ela perde Sara de vista e corre pelo parque em pânico. Outros frequentadores do local e vizinhos se juntam à procura da menina, e Sara é eventualmente encontrada perto dos trilhos do trem, local onde ela foi parar depois de seguir o gato. Ela não está ferida e não possui a noção do perigo no qual se colocou, mas Marie simplesmente não consegue se recuperar do choque.

Determinada a manter Sara em segurança o tempo todo – independente do custo – ela decide tentar o Arkangel, um sistema de segurança projetado para permitir que os pais monitorem seus filhos. De início, Marie está apenas interessada em saber o paradeiro de sua filha, mas com as muitas outras opções oferecidas para facilitar a vida de Sara, o excesso de proteção de Marie logo alcança novos e perigosos níveis.

Tudo começa de maneira inocente, mas mais tarde, Sara experimenta um ostracismo emocional, devido a sua falta de vivência e sua inabilidade em ler as nuances sociais como raiva, tristeza e até dor, pois estas são emoções que ela nunca realmente testemunhou sem algum tipo de filtro. Apesar dela ser capaz de sentir tais sensações, ela não sabe como externá-las ou utilizá-las a seu favor, o que a leva a um violento confronto com sua mãe. Quando fica no ar a sensação de que o Arkangel pode ser o culpado pelo limitado desenvolvimento psicológico de sua filha, Marie decide abandonar sua necessidade compulsiva de proteger Sara – até alguns anos depois, quando as particularidades da adolescência da jovem faz com que Marie reviva aquele dia de pesadelo no parque.

Como no episódio de abertura da terceira temporada, o provocativo Nosedive, Arkangel não é bem o que você espera de Black Mirror. Comparado a muitos dos episódios da série, que são carregados de adrenalina, Arkangel é relativamente sóbrio e equilibrado em sua apresentação, uma abordagem que combina bem com o estilo de direção de Foster. Trata-se de um episódio sensível e cativante em sua descrição dos instintos maternos, mas com uma pequena falha em relação ao “despertar” de Sara dentro de um mundo sem filtros: falando de maneira realista, levaria muito mais tempo para uma criança se aclimatar ao mundo real após uma vida vivendo dentro de uma bolha, mas Sara parece lidar com a mudança repentina sem muitas consequências.

Arkangel leva o conceito da alienação parental a um nível inteiramente novo (“A chave para ser bons pais é controle”). O mundo está mudando rapidamente, e os métodos de paternidade/maternidade que eram considerados apropriados há apenas vinte anos atrás, podem não ser eficientes nos dias de hoje. Mas, se a única solução de um pai ou uma mãe é editar e controlar uma experiência natural da criança, estamos certamente causando mais mal do que bem. Uma criança precisa rolar na lama para criar suas defesas naturais, elas precisam sentir e entender o espectro da emoção humana para que possam evoluir. Adiar, ou mesmo tentar pausar estes desenvolvimentos inteiramente, irá com certeza prejudicar o crescimento da criança e impedi-la de se tornar a pessoa que poderia vir a ser.

A chave para ser bons pais é saber quando deixar os filhos abrirem as asas – mas caso houvesse a oportunidade, será que todo pai e mãe não iria querer acesso ao sistema Arkangel quando seu filho ou filha adolescente sumisse? Há uma linha tênue entre o excesso de proteção e a invasão de privacidade, e nos dias atuais, tal linha está se tornando cada vez mais indistinguível. Sua mãe está observando você, e ela não gosta do que está vendo.

Avaliação: 3.5 de 5.

Arkangel está disponível na Netflix.

O Trailer Oficial de Black Mirror | S04E02 – Arkangel (2017)

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