Crítica: Drácula: A Última Viagem do Demeter (The Last Voyage of the Demeter) | 2023

O Demeter. No clássico livro Drácula, do autor irlandês Bram Stoker, a fictícia embarcação russa foi o veículo responsável por trazer o temido Conde morto-vivo para a Inglaterra. Se no conto de Stoker a fatídica viagem do Demeter ocupa apenas algumas páginas (um capítulo, para ser exato), aqui neste Drácula: A Última Viagem do Demeter (The Last Voyage of the Demeter, EUA, 2023, 119 min.), a tenebrosa jornada da embarcação ocupa o centro das atenções. E que jornada! Sob a direção firme do norueguês André Øvredal (do excelente A Autópsia), Drácula: A Última Viagem do Demeter compensa o ritmo um tanto instável (comum em longas que precisam esticar o reduzido material-fonte), com uma atmosfera incrivelmente tensa e uma execução visual e técnica impecável.

A estrada do filme até as telas foi longa. O roteirista Bragi F. Schut (Escape Room, Samaritano) desenvolveu a história e escreveu o roteiro do filme há vinte anos, baseado no Capítulo 07 do livro de Stoker, batizado como “Diário do Capitão”, em que Drácula viaja da Transilvânia para Londres a bordo da embarcação russa. O curto capítulo, que consiste inteiramente das entradas do diário escritas pelo capitão do barco, narra o conto de uma sinistra presença assombrando o navio e matando sua tripulação.

DRÁCULA: A ÚLTIMA VIAGEM DO DEMETER (THE LAST VOYAGE OF THE DEMETER) | 2023

Enquanto permanecia no limbo em desenvolvimento por quase duas décadas, o filme teve vários diretores interessados envolvidos no projeto, que vieram e se foram; Robert Schwentke (Red: Aposentados e Perigosos), Marcus Nispel (dos remakes de Sexta-Feira 13 e O Massacre da Serra-Elétrica), David Slade (30 Dias de Noite), e Neil Marshall (Abismo do Medo). No que diz respeito a talentos à frente da tela, em um dado momento Viggo Mortensen (Trilogia O Senhor dos Anéis) foi escalado para interpretar o capitão, mas acabou pulando fora devido às numerosas interrupções do projeto. Ben Kingsley (Ghandi, A Lista de Schindler) e Noomi Rapace (Prometheus) também estiveram ligados ao projeto em determinado momento, até que finalmente, Øvredal assumiu o leme da produção em 2019, trabalhando no roteiro de Bragi com a colaboração de Zak Olkewicz (do recente Trem-Bala).

No Capítulo 07 do livro de Stoker, o diário do capitão reconta a jornada do barco desde os Cárpatos, onde a tripulação recolhe uma estranha carga particular: 24 misteriosos caixotes de madeira que devem ser entregues em Londres. De início, a viagem parece normal, mas logo as coisas tomam um rumo sinistro. Toda a tripulação está ansiosa, mas não consegue entender porque eles continuam a se deparar com um evento infeliz atrás do outro. Primeiro, uma figura estranha é avistada a bordo, e logo membros da tripulação começam a desaparecer.

Uma terrível tempestade atinge a embarcação, e o primeiro imediato enlouquece, se jogando no mar revolto. O capitão finalmente constata que algum tipo de criatura maligna e sobrenatural está atacando a tripulação, escolhendo-os um por um. Na arrepiante parte final, o capitão está segurando um rosário em suas mãos e decide desafiar o monstro e a tempestade. Ele deixa seu diário dentro de uma garrafa na esperança de que alguém o encontre e seja capaz de decifrar a terrível verdade por trás dos eventos que caíram sobre ele e seu navio. Quando o barco quase arruinado chega ao porto mais próximo, não há ninguém a bordo, a não ser um homem claramente insano.

Expandindo um pouco os eventos do capítulo, A Última Viagem do Demeter acompanha vários personagens, incluindo um médico, Dr. Clemens (Corey Hawkins, de Straight Outta Compton: A História do N.W.A.), o capitão Eliot (o ótimo Liam Cunningham, da série Game of Thrones), uma esperta passageira clandestina, Anna (Aisling Franciosi, de The Nightingale), que claramente escolheu o barco errado para embarcar, além do garoto Toby (o jovem e talentoso Woody Norman, de Sempre em Frente e Toc Toc Toc: Ecos do Além). Nenhum deles, ou qualquer outro membro da tripulação, que inclui o primeiro-imediato Wojcheck (o sinistro David Dastmalchian, de Boogeyman: Seu Medo é Real e Oppenheimer), pensa em checar os caixotes no compartimento de carga onde um aterrorizante segredo repousa durante o dia, e quando o sol de põe, é tarde demais: a criatura está faminta, e a luta pela sobrevivência começa.

Drácula: A Última Viagem do Demeter pode ser descrito como uma versão de Alien: O Oitavo Passageiro ambientada em um navio em 1897, o que resume bem a história. De fato, Drácula poucas vezes foi tão visualmente aterrorizante no cinema, assumindo aqui uma forma mais demoníaca. O filme mostra quão maleável Drácula realmente pode ser no cinema, mesmo após tantas iterações do clássico monstro já vistas em cena. O homem por trás da criatura é ninguém menos que o body actor espanhol Javier Botet, intérprete mais do que acostumado a dar vida a alguns dos monstros e criaturas mais famosas do cinema. Aos cinco anos de idade, Botet foi diagnosticado com uma rara condição genética chamada de Síndrome de Marfan, que afeta os tecidos conectivos do corpo, o que dá ao ator uma flexibilidade incomum e braços e pernas mais longos do que o comum.

De maneira bastante inspiracional, Botet tem usado sua rara condição física para criar uma carreira repleta de personagens inesquecíveis, como Slender Man, o Homem-Torto em Invocação do Mal 2, e o aterrorizante personagem-título do filme Mama, lançado em 2013, entre muitas outras produções. É muito graças aos seus talentos, que sua interpretação como Drácula aqui vai totalmente na contramão do conde aristocrata e sim na direção de um aterrorizante monstro que caminha pelas paredes. Aliado a mais uma excelente trilha incidental de Bear McCreary (The Walking Dead), e uma impecável fotografia noturna a cargo de Roman Osin (do citado A Autópsia) e Tom Stern (Sniper Americano, Invictus, Gran Torino), o Drácula de Botet se estabelece como uma das criaturas mais impressionantes a surgir no cinema desde as criações de O Labirinto do Fauno, do mestre Guillermo del Toro.

Drácula: A Última Viagem do Demeter, como toda obra que precisa ampliar o material-fonte para que consiga construir um longa de duas horas, acaba sofrendo um pouco com problemas de ritmo e alguns solavancos na narrativa. Algumas liberdades tomadas em relação ao texto original também incomodam, mas graças à sólida direção de Øvredal e as qualidades visuais e técnicas do filme, o suspense nunca deixa de ser parte integrante da produção. O espectador se coloca no lugar dos protagonistas, que isolados na imensidão do oceano, na escuridão da noite e em meio ao poder assustador de uma tempestade, ainda precisam enfrentar uma abissal criatura sedenta por sangue, cuja imagem reflete os piores pesadelos imagináveis. A narrativa pode até ser estruturada em torno de um clichê (de fato a comparação do filme com o Alien de Ridley Scott é válida, é só trocar o espaço pelo oceano), mas a sensação de pavor não pode ser substituída. E se o objetivo primordial de um bom filme de terror é assustar e tirar seu espectador da zona de conforto, Drácula: A Última Viagem do Demeter é extremamente bem sucedido na empreitada.

Avaliação: 3 de 5.

Drácula: A Última Viagem do Demeter estreia nos cinemas brasileiros no dia 24 de agosto.

O Trailer Oficial de DRÁCULA: A ÚLTIMA VIAGEM DO DEMETER (THE LAST VOYAGE OF THE DEMETER) | 2023

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