A maioria dos filmes sobre assombrações giram em torno de uma única hipótese: o que está enterrado irá voltar à superfície mais uma vez. Mother, May I? (EUA, 2023, 99 min.), do diretor e roteirista Laurence Vannicelli, ainda que não seja uma história de fantasma convencional, não é exceção à regra, e explora questões reprimidas envolvendo abandono através de um possível caso de possessão.
O filme acompanha Emmett (Kyle Gallner, de Sorria), um jovem que vive afastado de sua mãe desde a infância, apesar de que, conforme viremos a descobrir, talvez ele não fosse tão jovem quanto ele diz que era quando o abandono aconteceu. Quando sua mãe morre e deixa para ele uma grande e isolada casa no interior de Nova York, Emmett viaja para o local acompanhado de sua noiva, Anya (Holland Roden), uma poeta que está lutando para ter seu trabalho reconhecido.
![](https://osfilmesdokacic.com/wp-content/uploads/2023/07/mother-may-i_review_filmes-do-kacic.jpg?w=700)
Não demora para as rachaduras no relacionamento do casal virem à tona. Frustrada pelo fato de que seu parceiro não demonstra suas emoções, Anya insiste para que eles pratiquem um exercício onde um finge ser o outro, e coloquem para fora o que estão sentindo. Mas após tomarem alucinógenos para turbinar a brincadeira, o já questionável exercício parece abrir uma porta para que algo mais tome conta de Anya; ela de repente começa a agir como a mãe de Emmett, e se recusa a parar.
Deste ponto em diante, Mother, May I? se torna intrigante e um tanto frustrante ao mesmo tempo. O roteiro quer que acreditemos que Anya está possuída, mas ao mesmo tempo brinca com a ideia de que a mulher é na realidade uma pessoa manipuladora, e que está fingindo a coisa toda. Há alguns elementos sobrenaturais espalhados pela narrativa, mas eles nunca são explorados o suficiente para serem satisfatórios. A ambiguidade nem sempre é uma coisa ruim, mas pode ser quando o roteiro parece pensar que é mais esperto do que realmente é.
Mas Mother, May I? é menos sobre plot do que é sobre personagens, estabelecendo um íntimo cenário para seus dois protagonistas darem tudo o que têm. Os fãs do horror vão logo reconhecer Gallner; o ator tem construído discretamente seu nome dentro do gênero ao longo da última década, mais recentemente aparecendo nos sucessos de bilheteria Pânico e no citado Sorria. Aqui, ele tem muito mais material com o que trabalhar, mas seu personagem não é lá um cara muito legal. Roden é o destaque, especialmente no “modo mãe”, mas o filme nos dá tão pouco tempo com Anya antes de sua transformação, que acaba precisando se apoiar em algumas pistas visuais óbvias e tiques da personagem para sinalizar que trata-se de outra pessoa. Roden ainda consegue imprimir sua marca na personagem, mas uma mudança mais sutil teria ajudado nas tentativas de ambiguidade do filme.
Uma vez que Anya volta a si mesma, Mother, May I? não tem muitos lugares para ir, enterrando a si mesmo em buracos cada vez mais fundos enquanto seus personagens revelam suas personalidades cada vez mais desagradáveis. Surpreendentemente, a falecida mãe de Emmett se torna a personagem mais emocionalmente compreensível, apesar de suas muitas, muitas falhas e manias nada lisonjeiras. Nós nunca a conhecemos, e vemos apenas a parte de trás de sua cabeça quando ela morre, mas sua presença é fortemente sentida ao longo da produção. Emmett recebe a chance de se reconciliar com a mulher que nunca realmente o quis, mesmo quando ele e sua noiva tentavam engravidar para salvar o relacionamento, e fica a impressão de que ele não aprendeu nada com a experiência.
O público em geral irá dizer que Mother, May I? é sobre a velha máxima do Complexo de Édipo, e que os homens no final das contas querem casar com mulheres que as lembrem de suas mães. E o filme certamente se aproveita da ideia para fazer várias piadas desta natureza. Algumas até bem inspiradas. Mas na realidade, trata-se de um filme sobre pessoas que odeiam umas às outras e se mantém juntos por todas as razões erradas, achando que a chegada de um bebê irá resolver as coisas. Não deixa de ser interessante, mas um cuidado um pouco maior faria de Mother, May I? um filme muito mais apreciável.
Mother, May I? estará disponível para download e em VOD à partir do dia 21 de julho.
![](https://osfilmesdokacic.com/wp-content/uploads/2023/07/mother-may-i_review_os-filmes-do-kacic_.jpg?w=1024)
Pingback: Crítica: O Passageiro (The Passenger) | 2023 | Os Filmes do Kacic