Crítica: Alpes (Alpeis/Alps) | 2011

Imagine saber da existência de uma empresa que oferece o seguinte serviço: atores que substituem parentes ou pessoas próximas que vieram a falecer. É exatamente esta a perturbadora temática de que trata Alpes (Alpeis/Alps, GRE/FRA/CAN/EUA, 93 min.) do grego Yorgos Lanthimos (do igualmente perturbador Dente Canino, entre outros). Formado por quatro atores não profissionais, o grupo, cujo nome intitula o longa e faz referência a grandes montanhas, não só faz da morte um negócio, como também possibilita a discussão acerca do papel do indivíduo dentro de uma sociedade sufocante e austera.

Os quatro integrantes, além de comporem o Alpes, exercem outros tipos de atividades “oficiais”. O foco mais incidente é sobre a Enfermeira (a espetacular Angeliki Papoulia, do citado Dente Canino), que se divide entre o emprego em um hospital e algumas vidas que substitui. Não por acaso, e não só por princípios de sua escolha profissional, a personagem da enfermeira é alguém que preza por vidas. É chocante o quanto ela se mostra perdida e desconectada de sua própria existência, a partir do momento em que se esconde sob sua própria (presumida) insignificância e se presta a substituir um ente querido, completamente estranho. Talvez porque precise se sentir querida, vista, amada, e todo o resto que reza o terço da sociedade do espetáculo. Ou talvez porque precise de propósitos de vida tão mais grandiosos do que julga serem os seus. Ou, simplesmente, por fuga da crua realidade.

Aris Servetalis em Alpes (Alpeis/Alps) | 2011

Fato é que, ali, aparentemente, ninguém exerce a função de substituição por dinheiro. Reside um prazer mórbido por viver a vida de outra pessoa em consonância com o desejo de se libertar daquilo que os prende. E os motivos pelos quais se sentem presos vão além de uma análise de uma sociedade caótica ou por algum motivo terrível advindo de uma tragédia familiar ou uma (resumida) vida muito difícil. O filme não atinge esse chato nível de didatismo e sequer expõe a vida (verdadeira) de quase nenhum dos integrantes do grupo.

Alpes não é um filme sobre a morte, ou sobre os que morreram, tampouco um filme sobre a vida. Discute, sobretudo, a fraqueza humana, seus limites e limitações. E, dentro disto, cabe a maneira como enfrentamos a morte, o modo como lidamos com o sabido e o inesperado. É sobre como suportar as adversidades, sobre o que acontece quando não se reverte o malogro, mas é também sobre o impacto que os espaços não preenchidos causam dentro do indivíduo e dentro de uma sociedade hostil.

Avaliação: 3.5 de 5.

Alpes está disponível no serviço de streaming Mubi.

O Trailer Oficial de Alpes (Alpeis/Alps) | 2011

4 comentários sobre “Crítica: Alpes (Alpeis/Alps) | 2011

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