Crítica: Black Mirror | S03E04 – San Junipero | 2016

Este quarto episódio da terceira temporada da série Black Mirror, e permitam-me declarar, QUE EPISÓDIO!, San Junipero é sem a menor sombra de dúvidas, um dos melhores episódios não só da terceira temporada, mas também facilmente ocupa um lugar no pódio geral de todas as temporadas do show, ao lado de pérolas como Fifteen Million Merits, e o episódio especial White Christmas. Trata-se de um episódio com tantas camadas e diferentes interpretações, que minha humilde análise apenas arranha um pouco abaixo da superfície narrativa do segmento, que como poucos episódios de qualquer série de TV existente por aí, envolve e cativa o espectador de maneira plena. Ao mesmo tempo, San Junipero propele o espectador a questionar o que está vendo, e a questionar a si mesmo, em um efeito semelhante ao que tive quando vi aquele fenomenal e inesquecível episódio International Assassin, da espetacular e hipnotizante segunda temporada da série do canal HBO, The Leftovers.

San Junipero tem uma narrativa tão rica em detalhes e nuances, que fica difícil manter o tracking de todos eles, à medida que o episódio passa voando por nossos olhos. San Junipero é dirigido por Owen Harris, diretor de Be Right Back, outro grande episódio da série. Aqui, Harris, apoiado no genial (realmente genial) roteiro de Charlie Brooker, situa sua história na festiva cidade de San Junipero, nos meados dos anos oitenta. É durante uma das agitadas noites da cidade, que a tímida Yorkie (Mackenzie Davis, de Perdido em Marte e Blade Runner 2049), conhece a espevitada e cheia de vida Kelly (Gugu Mbatha-Raw, de Um Estado de Liberdade e Um Homem Entre Gigantes). A atração entre as duas é imediata, e logo, a dupla engata um romance. Entretanto, não será nada fácil para Yorkie e Kelly prosseguirem com a relação, já que aos poucos, a inusitada realidade em torno das duas mulheres começa a ser revelada.

Gugu Mbatha-Raw e Mackenzie Davis em Black Mirror | S03E04 – San Junipero (2016)

Em sua primeira camada, San Junipero foge bastante do que o público se acostumou a ver em Black Mirror. Para começar, o episódio é ambientado nos anos 80, o que já impossibilita a abordagem de aparatos tecnológicos modernos como os que temos hoje. Na verdade, em sua primeira meia hora, San Junipero nem mesmo flerta com a ficção-científica, preferindo focar no envolvente desenvolvimento do romance entre sua dupla de protagonistas. O espectador fica literalmente perdido, sem ter noção do que o episódio realmente se trata, até a chegada de sua meia hora final, que começa a lidar com os verdadeiros temas centrais do episódio. E que vasta gama de temas!

Extremamente alegórico, San Junipero fala de maneira original e edificante sobre amor, sobre o amor sem preconceitos, e de como muitas vezes tal amor não pode ser vivido no mundo real. O episódio discute os desenrolares deste caso de amor em um cenário de atemporalidade e imortalidade, tornando o escopo do episódio em algo simplesmente gigantesco, que pode até desnortear o espectador menos preparado. Num certo momento do episódio, a própria existência humana é comparada a um arquivo de computador, e a morte, a um upload para uma nuvem composta por estes arquivos, em uma inacreditável analogia definitiva entre homem e máquina. Entre consciência/memória e um disco-rígido do mais avançado e eterno computador.

Tantas metáforas, analogias, alegorias, e nada disso funcionaria tão harmonicamente se não fosse a química sobrenatural entre a encantadora e bela dupla de protagonistas, Mackenzie Davis e Gugu Mbatha-Raw. Duas das grandes promessas do cinema em 2016, ambas as atrizes conquistam o espectador com poucos minutos de episódio, assim como a deliciosa atmosfera oitentista do segmento, repleta de hits musicais da época e um sensacional e vibrante design de produção e figurino. A canção “Heaven is a Place on Earth”, da cantora Belinda Carlisle, e o significado de seu título, é ela própria um indício do que San Junipero tem para dizer, e o tão improvável final feliz (em se tratando de uma série abertamente pessimista como Black Mirror), cai como uma lufada de ar fresco não só para a conclusão do episódio, como também para a série como um todo. Ainda que “final feliz” talvez não seja a melhor maneira de descrever o arremate do segmento.

San Junipero é um segmento delicioso, relevante, poético, e extremamente profundo de Black Mirror. Um episódio que dá a devida dimensão da importância dos laços fraternos e das relações humanas, em cenários que desafiam o tempo e espaço. Não importam as barreiras, tão irrefreáveis quanto a morte, o tempo ou o preconceito. Não existem obstáculos para o verdadeiro (e tecnologicamente eterno) amor.

Avaliação: 5 de 5.

San Junipero está disponível no catálogo da Netflix.

O Trailer Oficial da Terceira Temporada de BLACK MIRROR (2016)