Crítica: Black Mirror | S06E05 – Demon 79 (Demônio 79) | 2023

A sexta temporada de Black Mirror chega ao seu fim com um dos mais estranhos episódios de toda a série. Neste Demon 79 (Demônio 79), Anjana Vasan estrela no papel de Nida, uma jovem assistente de vendas em uma loja de calçados que sem querer desperta Gaap, o demônio que reside em um antigo talismã, interpretado por Paapa Essiedu. Gaap diz a Nida que ela tem que matar três pessoas para evitar o apocalipse (a semelhança com a premissa do recente Batem à Porta, do diretor M. Night Shyamalan, pode ser considerada apenas uma coincidência, uma vez que não há nada que você tenha visto em qualquer lugar que seja meramente semelhante a este Demon 79).

O diretor Toby Haynes, que já havia trazido para o portfólio da série um de seus melhores episódios, a “aventura” espacial USS Callister, episódio de abertura da quarta temporada, se diverte à beça aqui com os clichês e marcas registradas dos filmes de horror da década de setenta. Demon 79 tem todas as referências de um clássico do horror setentista: filmagem granulada, efeitos-visuais da antiga, além de um climático score musical retrô.

Paapa Essiedu e Anjana Vasan em Black Mirror | S06E05 – Demon 79 | 2023

Os créditos de abertura de Demon 79 dão ao episódio um rótulo especial – “Red Mirror” – para separá-lo dos outros episódios de Black Mirror. Ao invés de abordar a tecnologia e questões sociais contemporâneas, o episódio lida com o sobrenatural. (Pensando aqui… talvez o episódio anterior, Mazey Day, também poderia ganhar este rótulo de Red Mirror), anyway… Visualmente, o segmento é claramente influenciado pelos vibrantes giallos de diretores como Dario Argento, Lucio Fulci, entre outros. Enquanto que o citado Mazey Day oferece um exemplo de Black Mirror quebrando paradigmas ao trazer um lobisomem na parada, Demon 79 abre a série para um horizonte de possibilidades ilimitadas. A razão pela qual Demon 79 funciona tão bem enquanto que Mazey Day dá algumas derrapadas, é o fato de que o episódio dirigido por Haynes não traz elementos sobrenaturais apenas por trazer; a companhia demoníaca de Nida serve a um propósito dramático crucial enquanto ele a confronta com uma complicada decisão moral a ser tomada.

A premissa absurdamente similar ao citado filme de Shyamalan, em que os integrantes de um culto dizem a uma família que eles precisam sacrificar um de seus integrantes para impedir desastres ao redor do mundo, é abraçada aqui através do gore exagerado e humor dark, o que o estabelece como um olhar muito mais forte e efetivo sobre o conceito. Demon 79 é o único episódio da sexta temporada que o criador da série Charlie Brooker não escreveu sozinho; ele co-escreveu o roteiro ao lado da roteirista da Marvel Bisha K. Ali, que possui um background em comédias de stand-up, o que fica claro no diálogo ácido e no ritmo cômico da narrativa do episódio.

Nida e Gaap formam uma dupla hilariante, à medida em que o segundo tenta ensinar a primeira a como se tornar uma assassina eficiente. Vasan e Essiedu compartilham de uma incrível química em cena, com um timing invejável. A dinâmica da dupla é tanta que poderia sustentar uma série inteira. Para Gaap, ser o mentor de Nida durante a trinca de assassinatos, é um tipo de ritual de iniciação em uma sombria inversão cômica do anjo de A Felicidade Não Se Compra, quando este ganha suas asas. Nida passa o episódio inteiro falando com Gaap, mas ninguém mais pode vê-lo, então é como se ela estivesse falando consigo mesma. Os poderes demoníacos de Gaap, como sua habilidade de ver o futuro e sua habilidade de enxergar as almas das pessoas, pavimentam o caminho para algumas gags inspiradíssimas. As discussões entre Nida e Gaap fazem de Demon 79 um dos episódios mais reprisáveis de Black Mirror.

Demon 79 é um dos episódios mais deliciosamente brutais de Black Mirror. Outros episódios da temporada evitam mostrar muita violência em cena. David assassinou a família de Cliff fora de cena em Beyond the Sea, e a maioria dos ataques de lobisomem também acontecem fora de cena em Mazey Day. Mas, honrando seu estilo giallo, Demon 79 não se esquiva dos aspectos violentos de sua história. Quando Nida mata um assassino com uma martelada na cabeça, ela o martela umas cinco ou seis vezes, e o sangue esguicha feito Kill Bill todas as vezes. A violência em Demon 79 é assustadoramente bela.

Demon 79 é o episódio perfeito para encerrar esta temporada. Não se trata apenas de um de seus melhores segmentos; mas possui também um final surpreendentemente otimista para algo vindo de Black Mirror. Não se trata de um final propriamente feliz, mas a maioria dos episódios nesta temporada possuem uma conclusão realmente horripilante e devastadora, como a maioria dos episódios com o selo Black Mirror. Já Demon 79 se encerra em uma nota mais agridoce. Mas como de costume, é preciso estar atento: por baixo da premissa fantástica e de personagens que flertam com o humor, Brooker e Ali escondem uma forte mensagem sobre racismo, discriminação, e como a violência exacerbada pode ser um produto dos dois. A interpretação do espectador sobre o que ele está vendo, se é real ou imaginado, pouco importa no resultado final.

Com seu visual granulado, trilha-sonora incômoda, e sua violência gráfica (porém moralmente justificável sob camadas e camadas de entretenimento de primeira), Demon 79 é um dos episódios mais verdadeiramente de horror que Black Mirror já apresentou. E graças à elétrica química em cena entre Vasan e Essiedu, o segmento possui dois dos mais adoráveis personagens do universo da série. Esta sexta temporada de Black Mirror tem mais acertos do que erros, onde alguns episódios acertam na mosca enquanto outros nem tanto. Mas Demon 79 com certeza já é um dos novos clássicos da série.

Avaliação: 4 de 5.

Demon 79 está disponível no catálogo da Netflix.

O Trailer Oficial da Sexta Temporada de BLACK MIRROR (2023)

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