Então agora nós temos lobisomens em Black Mirror! Quem poderia antecipar essa hein? Provavelmente poucos de nós, e isso acontece porque o melhor trabalho de narrativa em Mazey Day, o quarto episódio desta sexta temporada, vem antes mesmo do episódio começar, com todos os boatos espalhados pelo próprio Charlie Brooker de que esta nova temporada traria um episódio do gênero. Ainda que Black Mirror já tenha flertado com o horror antes, especialmente no episódio Playtest, na terceira temporada, com certeza não foi nada parecido com o que temos aqui. Um episódio que apresenta, de longe, o final mais chocante da sexta temporada – apesar de se tratar de uma conclusão que encerra um episódio mais ligeiro e não-essencial dentro do impressionante repertório da série.

Mazey Day se situa firmemente no meio do pacote de episódios desta sexta temporada, e talvez até no meio de todos os episódios de Black Mirror. Não há nada tremendamente ofensivo sobre o segmento; a duração de 40 minutos passa voando, há uma excelente vibe dos anos 2000, uma sólida performance da bela Zazie Beetz, e aquele final chocante previamente mencionado. Todos estes elementos são apreciados, mas não chega a ser do nível clássico de alguns episódios de Black Mirror. O que está perfeitamente bem, afinal nenhum deles precisa ser um Shut Up and Dance ou um Fifteen Million Merits.

Deixando as falhas de lado, Mazey Day não economiza tempo e respeita o tempo do espectador, que assiste ao que seria a luta interna enfrentada por Bo (Beetz), desde o começo do episódio. Ela possui todas as características de uma paparazzi amoral trabalhando na Los Angeles de 2006. Porém, a natureza de seu trabalho claramente suga o que ela tem de melhor. Depois que uma das celebridades expostas por ela se suicida, Bo se aposenta de uma vida tirando fotos de famosos para fazer algo menos apelativo.

Enquanto isso, do outro lado do mundo, na República Tcheca, a atriz super-famosa Mazey Day (Clara Rugaard), se envolve em um acidente tarde da noite onde ela supostamente atropela e mata um civil. Muito da tensão do episódio vem da dúvida de como os caminhos de Bo e Mazey irão eventualmente se cruzar, e se quando isso acontecer, será a experiência de redenção para cada uma delas que você espera que seja. A resposta, de maneira satisfatória, se revela um “sim, mas não da maneira que você está pensando”.

Com sua conclusão inspirada e uma duração razoável, Mazey Day acaba driblando as conveniências um tanto forçadas de seu plot maluco e acaba entretendo seu espectador. O roteiro tem a quantidade exatamente correta de momentos “WTF?!”, até chegar finalmente à sua revelação. O segmento possui também uma impressionante execução técnica (os efeitos-visuais são excelentes), mas também de narrativa, por assim dizer. Igualmente eficaz é a sequência ambientada na lanchonete, no clímax sangrento do episódio, que une justamente os pontos fortes visuais e narrativos do segmento.

Mazey Day é sutilmente revolucionário dentro do escopo Black Mirror, uma vez que trata-se de seu primeiro episódio (cronologicamente falando) a abandonar completamente qualquer pretensão de ficção especulativa. Uma realidade como a dos mundos de Nosedive, Fifteen Million Merits, ou Joan is Awful pode possivelmente existir. Uma realidade que traz um lobisomem não pode (apesar de que alguém, em algum lugar do mundo, sempre vai acreditar que seja algo possível). Esta inesperada mudança de paradigma na narrativa fornece ao episódio uma nova energia que procura compensar o fato de que Mazey Day trata-se apenas de um “filme de monstro”, para o bem e para o mal. Mas talvez não o monstro que você está pensando… afinal, Mazey Day retrata as repercussões de uma mídia cada vez mais invasiva, e destaca o devastador impacto de tal prática nas vidas daqueles que se encontram implacavelmente sob as lentes dos paparazzi.

Mazey Day está disponível no catálogo da Netflix.