Crítica: Black Mirror | S06E01 – Joan is Awful (A Joan é Péssima) | 2023

Dando início às críticas individuais de cada episódio da sexta temporada de Black Mirror aqui no Filmes do Kacic, a bola da vez é este primeiro episódio, Joan is Awful (A Joan é Péssima), que de várias maneiras, é o ideal platônico do que um episódio de abertura de temporada de Black Mirror deveria ser. É cínico, cáustico e até charmoso. Diferente de algumas incursões desta temporada, o cenário aqui é puro suco da série criada e escrita por Charlie Brooker: e se você estivesse zapeando pela Netflix e encontrasse uma série de TV sobre a sua própria vida?

É esta a experiência que Joan (Annie Murphy), enfrenta depois de um dia bastante agitado. Um período de 24 horas em que ela foi forçada a notificar um funcionário de sua demissão, teve uma reunião improdutiva com a terapeuta, e depois beijou seu ex, o que cá entre nós, não são experiências as quais você gostaria de relembrar. Infelizmente, é exatamente isso o que acontece quando ela sintoniza sua conta do “Streamberry” (um sistema de streaming que possui exatamente a mesma fonte, interface e até o “tudum” da Netflix), ao lado de seu agradável namorado naquela noite.

Salma Hayek Pinault e Ben Barnes em Black Mirror | S06E01 – Joan is Awful (A Joan é Péssima) | 2023

Na homepage do Streamberry, ao lado de alguns suculentos Easter eggs da própria Black Mirror, está uma série chamada Joan é Péssima, estrelando a famosa atriz Salma Hayek Pinault no papel principal. A verdadeira Joan assiste horrorizada enquanto ela, seu em breve ex-namorado e o mundo todo assiste Salma atuar em uma dramatização assustadoramente verdadeira do dia que ela acabou de viver. Joan é Péssima recria a vida de Joan com tamanha fidelidade, que o episódio apresenta até a atriz descobrindo que sua vida foi transformada em uma série do Streamberry chamada Joan á Péssima, estrelando… Cate Blanchett (!). Para piorar, as pessoas na vida de Joan ganham suas próprias representações de Hollywood, onde versões deepfake de atores famosos interpretam as pessoas que convivem com Joan no dia-a-dia.

Dirigido por Ally Pankiw (Schitt’s Creek), Joan is Awful curiosamente tem muito em comum com o primeiro episódio da série, o controverso The National Anthem. Assim como no episódio onde o primeiro ministro britânico se envolve em um macabro espetáculo sexual com um suíno, Joan is Awful é ambientado em um futuro próximo que parece mais perturbadoramente plausível e real do que aqueles retratados em alguns episódios de natureza mais fantástica contidos na série. Em ambos os episódios, Brooker responde as inevitáveis perguntas do espectador de maneira incrivelmente atual.

Assim como o primeiro ministro Michael Callow era apresentado a uma papelada que tentava justificar a coisa toda em The National Anthem (a aprovação dele poderia subir, inclusive), o mesmo acontece com Joan. Quando ela contata sua advogada para que a série seja retirada do ar, ela é informada que o contrato de usuário do Streamberry, o qual ela assinou (sem ler a letra-miúda, é claro), permite ao serviço utilizar a história de vida de Joan assim como eles podem usar uma aproximação digital de outros assinantes do serviço, como Salma Hayek, Cate Blanchett e mais tarde, o ator Michael Cera.

O episódio também acena de maneira convincente para algumas potenciais complicações tecnológicas. Por exemplo: ao longo do episódio ficamos sabendo que o Streamberry inventou um computador quântico, chamado de quantputer, capaz de dramatizar as vidas de todos seus assinantes com extrema facilidade. É o tipo de coisa que poderia parecer uma viagem na maionese, se os roteiristas de Hollywood não estivessem atualmente em greve em parte devido ao desejo de estúdios como a própria Netflix de utilizar inteligência artificial para criar novas séries de TV. Ufff…

É claro, tudo isso “é muito Black Mirror”, como diz o bordão, mas nada disso funcionaria sem uma cativante protagonista e uma boa história, e Joan is Awful possui os dois, A “reviravolta” aqui (como se o fato da Netflix estar adaptando sua vida já não fosse reviravolta o suficiente), é o fato de que a Joan que conhecemos não é a “principal” Joan, mas sim a primeira camada fictícia dela interpretada por Annie Murphy. Este estranho cenário ao estilo A Origem criou nada menos que cinco cenários em cascata, como mais tarde o próprio Michael Cera eventualmente explica. As consequências e implicações mais profundas do episódio eu deixo para vocês descobrirem e ponderarem.

A única falha de Joan is Awful é sua inabilidade de jogar com os limites de sua premissa por mais tempo. Fica a sensação de que deveriam haver mais passos entre “Joan vê sua vida como um programa de TV” e “Joan toma uma quantidade massiva de laxante e solta um barroso dentro de uma igreja durante um casamento apenas para envergonhar seu avatar digital”. Ainda assim, é difícil culpar o episódio por querer correr ao seu final, até porque a conclusão é muito boa.

Joan is Awful é um dos raros episódios de Black Mirror que não recorrem a uma conclusão trágica, até porque, de várias maneiras, nós já estamos vivendo algo parecido com uma tragédia. O episódio não é uma crítica de como a realidade em nossa era moderna lembra um episódio de Black Mirror. É mais um comentário de como a realidade sempre lembrou um episódio de Black Mirror, só que apenas agora isso se tornou evidente para nós. Os serviços de streaming estão usando seus dados, neste exato momento, enquanto você lê este texto. E eles estão tentando criar um algoritmo que irá finalmente entregar aquele programa de TV com o qual você sempre sonhou. Você sabe disso e mesmo assim, continua a maratonar as séries deles. Afinal, o que mais você pode fazer? Deixar de assistir televisão?

Avaliação: 3.5 de 5.

Joan is Awful está disponível no catálogo da Netflix.

O Trailer Oficial da Sexta Temporada de BLACK MIRROR (2023)

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