Tendo a contestação aos avanços tecnológicos como seu mote criativo e existencial, a série inglesa Black Mirror, criada por Charlie Brooker, e produzida pela rede Channel 4, tornou-se um programa essencial para os apreciadores de uma boa série de TV, e por tabela, aos conhecedores e utilizadores dos aparatos tecnológicos, que hoje são presenças mais que constantes (e um tanto perturbadoras) no dia a dia da população. Apresentando uma estrutura diferente da maioria das outras séries de TV existentes, que normalmente constituem-se de temporadas com oito, dez ou mais episódios, Black Mirror é bem mais enxuta, apresentando temporadas formadas por apenas três, cinco, às vezes sete episódios cada uma. E, além destes episódios regulares, a pungente série apresenta também este episódio adicional, que foi apelidado por aqui de “Especial de Natal”. Claro que o próprio apelido do episódio já vem embebido em uma boa dose de ironia.
Pessoalmente falando, este segmento é um dos meus favoritos de toda a série, graças principalmente à vasta gama de vertentes tecnológicas que o episódio ataca sem dó nem piedade, em que alguns destes ataques acontecem de maneira sutil, enquanto que outros são arremessados diretamente na cara do espectador.
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White Christmas tem início apresentando ao público dois estranhos, Matt (Jon Hamm, da série Mad Men) e Potter (Rafe Spall, de Prometheus e As Aventuras de Pi). Isolados em uma misteriosa e isolada estação de trabalho, situada em uma região coberta pela neve, os dois mal se conhecem, tendo trocado pouquíssimas palavras ao longo da estadia no local. Entretanto, trata-se de uma manhã de Natal, e o falastrão Matt decide preparar um almoço para celebrar a data, e animar um pouco o inóspito ambiente de trabalho. É durante este almoço que Matt e Potter acabam se conhecendo melhor, mesmo contra a vontade do segundo. Contudo, a conversa entre os dois começa a revelar o nebuloso e estranho passado de ambos, o responsável direto por colocar os dois homens ali, frente a frente em um local esquecido.
Como mencionado, White Christmas ataca tantas vertentes da tecnologia moderna (e que ainda está por vir), que o próprio episódio funciona como uma amálgama de toda a série. A concepção visual de todo o episódio é colossal e aterradora, variando entre a neutralidade de um futuro impessoal, com alguns poucos momentos de verdadeira e aconchegante interação humana. O segmento destrincha e critica abertamente a utilização de artifícios online como os chats e as redes sociais, discutindo o peso da solidão e rejeição, e inserindo ambas as vertentes no conceito de que o que deveria diminuir distâncias e estreitar relacionamentos, na maioria das vezes é responsável pela destruição da essência humana.
O episódio também alfineta, especialmente, uma certa função de uma certa rede social a qual conhecemos e com a qual interagimos praticamente todos os dias. Ao mesmo tempo em que prevê, de maneira cientificamente aterrorizante, o escuro e perigoso caminho que o público, como sociedade, está trilhando. Utilizando a tecnologia de maneira errônea, o homem moderno está se tornando cada vez mais prisioneiro de si mesmo, de seus compromissos diários supostamente inadiáveis, e de suas próprias vontades. Um pequeno artifício narrativo utilizado no episódio, apelidado de “cookie”, é um perfeito elemento metafórico para esta analogia, e fecha o episódio de maneira brutal e sem concessões.
Extremamente bem dirigido por Carl Tibbets (do thriller Retreat, 2011), o episódio é praticamente um média-metragem, que transcorre com ótimo ritmo, valorizado por sua impecável concepção visual e design de produção, e é claro, pelas boas atuações de sua dupla de protagonistas, especialmente do galã Jon Hamm, impecável em um papel repleto de sarcasmo, que funciona como o fio condutor das muitas vertentes narrativas do episódio.
Resumindo, White Christmas é o episódio perfeito se uma série quase perfeita, amarrando diversos elementos de outros episódios da série, e condensando-os em um louco e macabro passeio de montanha-russa de pouco mais de uma hora de duração, por dentro do confuso emaranhado conectivo entre o homem e sua atual companheira (e futura nêmesis), a tecnologia.
White Christmas está disponível no catálogo da Netflix.
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