Crítica: Suitable Flesh (2023)

Quando pensamos em H.P. Lovecraft no cinema, o primeiro nome que nos vem à mente é o do falecido diretor Stuart Gordon. Foi graças ao diretor que o nome de Lovecraft se tornou popular entre os fãs do horror na década de oitenta, graças aos hoje clássicos A Hora dos Mortos-Vivos (Re-Animator, 1985) e Do Além (From Beyond, 1986). Não só a visão de Gordon foi a responsável por isso, mas também o trabalho do produtor Brian Yuzna, responsável por inúmeras produções baseadas na obra de Lovecraft no cinema, além das citadas acima; do roteirista Dennis Paoli (dos citados Re-Animator e Do Além, e também Dagon, Herança Maldita, entre outros), e é claro, da eterna musa scream queen Barbara Crampton, figurinha carimbada do horror desde a década de 80, onde protagonizou os filmes de Gordon, e tem atuado em diversas produções do gênero até os dias atuais.

E para a alegria completa dos fãs do horror e dos admiradores do mestre do horror H.P. Lovecraft, Yuzna, Crampton e Paoli se unem ao diretor Joe Lynch (Um Dia de Caos, À Queima-Roupa) neste Suitable Flesh (EUA, 2023, 100 min.), o que de certa forma não deixa de ser uma homenagem não só a Lovecraft, mas principalmente a Gordon, cuja presença é sentida ao longo de todo o filme. Só faltou mesmo o canastrão Jeffrey Combs para a galera estar completa. Nesta adaptação de ‘The Thing on the Doorstep’, Lynch e companhia se inserem totalmente no universo cinematográfico de Gordon e Lovecraft, desde a sequência de abertura ambientada em um hospital que remete instantaneamente a Re-Animator. Lynch captura o tom humorístico e sexy das adaptações oitentistas de Gordon para o trabalho de Lovecraft, ao mesmo tempo em que imprime sua própria marca através de soluções espertas e narrativa moderna.

Heather Graham em SUITABLE FLESH (2023)

O filme acompanha a renomada psiquiatra Dra. Elizabeth Derby (a eternamente bela Heather Graham), que tinha tudo; um marido dedicado, Edward (Johnathon Schaech), uma duradoura amizade com a colega Daniela Upton (Crampton), e uma carreira de sucesso. Mas tudo isso muda no momento em que o jovem Asa Waite (Judah Lewis), surge em sua vida como um problemático paciente sofrendo de um extremo distúrbio de personalidade. Ou não? Asa alega que algo possuiu seu pai (Bruce Davison), e agora está à procura de um hospedeiro mais apropriado. O quanto mais Elizabeth se sente atraída pelo martírio de Asa, mais insana sua história se torna neste obsessivo conto sobre desejo, luxúria e loucura carnal.

Os fãs de Lovecraft vão se deleitar com os vários Easter eggs a serem encontrados aqui. De qualquer forma, é a maneira natural com que Lynch insere Suitable Flesh no mesmo contexto das adaptações de Stuart Gordon para a obra de H.P. Lovecraft, o que mais impressiona. Há uma incrível atenção aos detalhes desde o frame de abertura. Não são apenas os cenários ou os personagens que nos transportam para os memoráveis filmes do falecido Gordon, mas também a estética, os clichês, e tudo mais. Lynch captura a inclinação para a iluminação suave e a música de saxofone tão presente nos anos 90, e a traz de volta para o presente, construindo um thriller erótico de horror que homenageia verdadeiros ícones dos clichês do horror como aquele atendente do necrotério do hospital que adora um sanduíche, enquanto detalha a causa da morte de um determinado cadáver. Curiosidade: aqui tal atendente é interpretado por Graham Skipper, que interpretou o Dr. West na peça Re-Animator: The Musical.

Ainda que Suitable Flesh se pareça bastante com um filme de Stuart Gordon, Joe Lynch definitivamente deixa seu toque ao injetar um aroma de horror bem diferente junto de seu instinto inovador, principalmente na maneira com que subverte a história original de Lovecraft. Enquanto que Re-Animator e Do Além abraçavam a meleca, a gosma e o gore, Suitable Flesh coloca seu foco na obsessão e em um desdobramento psicológico que dá ao elenco um suculento material para trabalhar. Heather Graham brilha como a confiante psiquiatra que é arremessada em uma perturbadora jornada para limpar seu nome, canalizando cada personalidade no processo, enquanto Elizabeth Derby se torna descolada de sua própria pele. Graham e Judah Lewis não estão apenas em um papel duplo aqui; ambos têm a dificílima tarefa de interpretar múltiplos papéis em rápida sucessão.

Diferentemente dos tantos filmes do finado Stuart Gordon citados aqui, Suitable Flesh é uma história mais contida, mais interessada em seus personagens e nas consequências do que em viscerais horrores cósmicos. Isso não que dizer que Lynch não apresente uma boa dose de violência grotesca, no entanto. Mas Lynch o faz de maneira a homenagear um mestre do horror através de detalhes meticulosos ao mesmo tempo em que evita apenas requentar elementos já vistos e saturados do gênero. Desta forma, Suitable Flesh se estabelece como algo familiar, mas também sem medo de tomar desvios inesperados ou descartar clichês datados. A reverência de Lynch a Gordon nunca excede sua própria voz, que procura trilhar um cativante caminho em direção a uma nova geração capaz de carregar a tocha dos mestres do horror. O resultado é um estranho, atraente esforço de terror que soa retrô e novo ao mesmo tempo, e que captura a essência tanto de Gordon quanto de Lynch de uma só vez.

Avaliação: 3.5 de 5.

Suitable Flesh ainda não possui data de lançamento. Assim que ela for determinada, a informação será atualizada aqui.

O Teaser Trailer Oficial de SUITABLE FLESH (2023)

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