Crítica: Boogeyman: Seu Medo é Real (The Boogeyman) | 2023

Quem me conhece só um pouquinho sabe do meu apreço e de minha relação com o Mestre do Horror Stephen King e sua obra. Foi através de seus escritos que eu verdadeiramente aprendi a ler, impulsionado por minha falecida mãe, que me apresentou ao mundo do escritor em minha pré-adolescência. E dentre as inúmeras histórias criadas pelo meu escritor favorito, uma de minhas eternas prediletas sempre foi ‘O Bicho-Papão’ (The Boogeyman), conto de King publicado pela primeira vez no ano de 1973 na revista Cavalier, e depois republicado na coletânea Sombras da Noite (Night Shift), em 1978.

A aterradora e bem equilibrada mistura de horror psicológico com história de monstro (literais ou não), é até hoje um dos contos mais lembrados e celebrados de King, a ponto de exatos 50 anos após sua publicação, a história estar ganhando esta versão cinematográfica através de um grande estúdio, e dirigida por um dos nomes mais celebrados do cinema de horror no momento, Rob Savage, responsável pelo maior hit da época da pandemia, o horror found-footage Host (2020). A título de curiosidade, The Boogeyman já foi adaptado visualmente algumas vezes ao longo dos anos, sempre no formato de curta-metragem (muitos deles os chamados Dollar Babies, produções dirigidas por estudantes de cinema sem custo na aquisição dos direitos da obra), e em 1982, a história ganhou uma versão até que interessante lançada diretamente em vídeo, hoje disponível no YouTube.

Sophie Thatcher como Sadie em BOOGEYMAN: SEU MEDO É REAL (THE BOOGEYMAN) | 2023. Photo courtesy of 20th Century Studios. © 2023 20th Century Studios. All Rights Reserved.

Neste Boogeyman: Seu Medo é Real (The Boogeyman, EUA/CAN, 2023, 98 min.), Savage e seu competente time de roteiristas, Scott Beck e Bryan Woods (Um Lugar Silencioso) e Mark Heyman (Cisne Negro), obviamente precisavam encontrar uma maneira de “esticar” o conto de apenas vinte e tantas páginas para transformá-lo em um longa de pelo menos 90 minutos, e o resultado desta adaptação é bastante satisfatório. Assim como aconteceu com o hit Sorria no ano passado, a ideia do estúdio era lançar o filme diretamente em streaming, mas graças às reações do público das sessões-teste, optou-se por um lançamento nos cinemas. Ao assistir este Boogeyman, é totalmente compreensível a decisão do estúdio. Com sua história simples e direta, bons sustos e excelentes qualidades técnicas, o filme tem tudo para se tornar um sucesso de público.

No conto de King, o protagonista é um homem perturbado, chamado Lester Billings, que em uma visita a um psiquiatra, relata uma história arrepiante sobre um “bicho-papão” que teria causado a morte de seus três filhos pequenos nos anos anteriores. Esta adaptação/reimaginação do conto é focada na estudante colegial Sadie Harper (a ótima Sophie Thatcher, da série Yellowjackets), que ao lado de sua irmãzinha (Vivien Lyra Blair), está lutando contra a dor causada pela recente morte da mãe. Devastado por sua própria dor, o pai das garotas, Will (Chris Messina, do recente Air: A História Por Trás do Logo), um terapeuta, não consegue dar nem o apoio ou o carinho de que as meninas tanto precisam neste momento. Mas quando o nosso Lester Billings mencionado lá em cima (aqui interpretado pelo sinistro David Dastmalchian, de O Esquadrão Suicida), um paciente desesperado de Will, aparece inesperadamente na casa da família pedindo ajuda, ele abre as portas para uma aterrorizante entidade que atormenta as famílias e se alimenta de seu sofrimento.

O diretor Rob Savage se mostra amadurecido após seu ótimo trabalho de estréia e seu decepcionante segundo filme, Dashcam, lançado em 2021. Deixando as facilidades de trabalhar com o subgênero do found-footage de lado, Savage constrói um filme visualmente primoroso, que explora o medo da escuridão como poucos antes dele. A fotografia a cargo de Eli Born (da recente reimaginação de Hellraiser), é uma atração à parte, completamente incorporada à natureza da trama. Trabalhar ao lado de roteiristas experientes também fez a diferença, uma vez que o roteiro de Beck, Woods e Heyman é nitidamente um trabalho de conhecedores do gênero, apesar de algumas conveniências do roteiro soarem bastante forçadas. Confesso que gostaria que o filme explorasse mais a situação em torno de Billings e o terapeuta, como acontece no conto, mas mesmo alterando o foco central da história, a alma do conto de King é sentida no material, e a subtrama de Billings e seus traumas é consturada ao plot principal de maneira bastante eficiente.

Savage se sai bem também na direção do elenco, especialmente na condução do trabalho das jovens Thatcher e Blair. Thatcher, que já roubou a cena várias vezes na série que a tornou famosa, a interessante Yellowjackets, está realmente ótima aqui. A jovem atriz estabiliza o filme com seu retrato de uma adolescente às voltas com o luto e o medo do desconhecido, enquanto que o elenco adulto, de bons nomes como o do galã Chris Messina, do esquisitão David Dastmalchian, e da atriz Marin Ireland (O Mensageiro do Último Dia, The Dark and the Wicked), não decepciona.

Após uma introdução realmente sombria e assustadora, o filme continua a aplicar jump scares eficientes onde o design de som funciona como uma atração à parte. A atmosfera do filme é pesada, sempre sinistra, e são poucos os momentos de alívio para personagens e espectador. A escuridão (e o medo que ela produz) é um elemento sempre presente na narrativa, e me remeteu um pouco ao fraco Quando as Luzes se Apagam (2016), mas as lembranças se limitam apenas ao clima mesmo, não na substância. Claro, hoje em dia é difícil um filme de horror feito para o grande público não evocar uma sensação de déjà vu no espectador, mas a direção segura, o som e a atmosfera fazem com que o filme de Savage entregue o que promete. Os vinte minutos finais, por exemplo, são de grudar o povo na cadeira.

Quando pensamos em Stephen King, temos sempre a sensação de que o horror pode vir de qualquer lugar. O genial autor sempre teve isso como uma das características mais marcantes de seu trabalho; o horror é corriqueiro, e se esconde nas facetas mais ordinárias da sociedade, do dia-a-dia. Boogeyman: Seu Medo é Real é a antítese desta idéia. Seu horror se concentra nos elementos com os quais já estamos acostumados dentro do gênero: escuridão, luto, traumas psicológicos, assim como o clássico conto no qual é baseado. The Boogeyman é um conto do início da carreira de King, um mergulho de poucas páginas dentro de uma mente em estado de pesadelo, capaz de evocar o pavor sobrenatural (ou não). Esta adaptação pode ser considerada um retorno a estas origens do horror raiz que tornou King famoso. E convenhamos, não há absolutamente nada de errado com isso.

Avaliação: 3 de 5.

Boogeyman: Seu Medo é Real estreia nos cinemas brasileiros no dia 01 de junho.

O Trailer Oficial de BOOGEYMAN: SEU MEDO É REAL (THE BOOGEYMAN) | 2023