Crítica: Um Filho (The Son) | 2022

O drama Um Filho (The Son, UK/FRA, 2022, 123 min.) pode ser descrito como um caso curioso: todos os elementos necessários para que o filme funcione estão lá: as credenciais atrás das câmeras, o elenco classe A, o score do maestro alemão Hans Zimmer, as boas intenções do roteiro, e a mensagem de denúncia sobre aquele que é o maior mal da humanidade nos dias de hoje. Entretanto, mesmo sob toda esta estrutura, a produção não funciona. A depressão (com um resvalar na bipolaridade), é discutida sob o prisma errado, onde os personagens, apesar de bem-intencionados, tomam decisões terríveis no roteiro do diretor e roteirista francês Florian Zeller, baseado em sua própria peça teatral.

Zeller, inclusive, foi o vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado há dois anos, por seu primoroso trabalho no drama Meu Pai, que também é baseado em uma de suas peças e que valeu também o segundo Oscar de Melhor Ator da carreira do grande Anthony Hopkins, também presente aqui em um pequeno porém elucidativo papel. Um Filho e Meu Pai são partes de uma trilogia de peças escritas por Zeller, e a ideia é que a terceira peça, ‘The Mother’, também seja adaptada para o cinema em breve, mesmo com a recepção fria de público e crítica que Um Filho obteve.

Hugh Jackman e Zen McGrath em UM FILHO (THE SON) | 2022

Peter Miller (Hugh Jackman), é um conceituado advogado de Nova York cuja vida parece perfeita. Sua bela (e mais jovem) esposa, Beth (Vanessa Kirby, de Italian Studies) é apaixonada por ele, e juntos ele criam seu filho recém-nascido. Numa noite, Kate (Laura Dern), a ex-esposa de Peter, bate aflita em sua porta, dizendo que não consegue mais controlar o filho do casal, o adolescente Nicholas (Zen McGrath), que vem cabulando aula e agindo com rebeldia. Após uma conversa entre Peter e Nicholas, o jovem pede para ir viver com o pai, o que de fato acontece. À princípio, tudo parece seguir bem para todos; Kate pode respirar um pouco, e a convivência entre Nicholas, Peter e Beth segue sem solavancos. Mas com o tempo, Peter começa a perceber que há algo mais profundo atormentando Nicholas, que por sua vez vê sua vida sair dos trilhos mais uma vez.

O roteiro de Zeller em parceria com Christopher Hampton (seu colaborador também em Meu Pai), é repleto de boas intenções, e a trama procura abordar o delicado tema da depressão da maneira mais edificante e realista possível, e até certo ponto, a proposta funciona. Mas à medida que os acontecimentos se desenrolam e o público começa a compreender mais profundamente cada um dos personagens, a coisa desanda consideravelmente. Algumas escolhas dos personagens soam completamente fora de tom, o que até é compreensível dada a complicada situação em que todos eles se encontram, mas não da maneira que acontece aqui. A conclusão aplicada por Zeller e Hampton então, é totalmente divisiva, para não dizer de mau gosto. Na verdade Um Filho possui dois finais: o primeiro, apesar de sua natureza trágica, ao menos está em conluio com a realidade; o segundo e derradeiro, dependendo de seu estado de espírito, soa como uma piada de péssimo gosto. Até entendo o que Zeller quis fazer, uma vez que a citada conclusão remete à natureza de Meu Pai, mas estamos falando de dois filmes com propostas completamente diferentes, e nem sempre o que funciona bem em um filme funcionará em outro.

O elenco é espetacular mas já viu dias melhores, muito por conta do problemático roteiro da produção. O jovem Zen McGrath é o que mais decepciona, uma vez que é em torno dos problemas de seu personagem que gira a trama do filme. O ator até tenta adicionar as camadas de seu personagem que o roteiro não fornece, mas não consegue chegar no nível necessário para fazer tudo funcionar, especialmente nas cenas mais pesadas dramaticamente. A ótima Laura Dern faz o que pode em um papel repleto de mágoa, tristeza e ressentimento, sem falar que sua personagem é absurdamente deixada de lado nos minutos finais. A bela Vanessa Kirby seria a melhor intérprete do elenco se sua personagem tivesse mais tempo de cena. Sua dinâmica com Jackman e McGrath garante alguns dos melhores momentos do filme, mas sua Beth não recebe o reconhecimento que merece por parte do roteiro. É mesmo Jackman quem se sai melhor, como sempre entregando tudo o que pode. Desta vez interpretando um personagem complexo que funciona como ponte de todos os eventos do filme, a interpretação do ator é a grande realização da produção.

Mais ou menos na metade deste Um Filho, Jackman tem uma cena ao lado do grande Anthony Hopkins (em sua única cena do filme), onde os papéis de pai e filho do personagem são colocados em xeque, e onde o título da produção ganha uma dimensão toda nova. Se o filme de Zeller explorasse mais esta dualidade, talvez o resultado tivesse sido diferente. Um Filho possui méritos, definitivamente sim. Mas vindo de um realizador que demonstrou tamanha sensibilidade e honestidade em seu trabalho anterior, é impossível não se decepcionar com o produto final aqui. O filme até transmite com eficiência sua importante mensagem, mas utiliza muitos meios discutíveis para fazê-lo.

Avaliação: 2.5 de 5.

Um Filho estreia nos cinemas brasileiros no dia 23 de março.

O Trailer Oficial de UM FILHO (THE SON) | 2022

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