Crítica: Piscina Infinita (Infinity Pool) | 2023

Existe loucura, existe insanidade, e existe a definição de loucura vinda do diretor Brandon Cronenberg. Trata-se de uma loucura impossível de ser contida e ainda mais impossível de rotular: um pesadelo em neon de dar nó no cérebro, transbordando imagens perversas e que abraça o grotesco, ao mesmo tempo em que é uma arrebatadora explosão de sedução e poder. Piscina Infinita (Infinity Pool, CAN/HUN/FRA, 2023, 117 min.), o aguardado terceiro filme de Cronenberg, é tudo isso e muito mais; um filme que desafia constantemente as expectativas enquanto tece uma complexa teia de sexo, sátira, sadismo e guerra de classes que é ao mesmo tempo angustiante e explícita.

Em seus trabalhos anteriores — especialmente o ótimo Possessor — Cronenberg se estabeleceu como um cineasta com um genuíno dom para saturar seus filmes com uma distinta marca de desconforto físico. Seus filmes transmitem sensações libertadoras e sufocantes — como se sua intenção fosse soterrar o espectador nos meandros mais profundos da distorcida psique humana. Mas como Piscina Infinita ilustra, o que separa Cronenberg de seus contemporâneos que tentam trabalhar no subgênero do body horror, é que o diretor demonstra uma inclinação artística natural para sangue e vísceras. É por isso que mesmo que seus filmes insistam em ser provocativos, eles nunca se tornam mais do mesmo.

Mia Goth e Alexander Skarsgård em PISCINA INFINITA (INFINITY POOL) | 2023

Depois de O Menu e Triângulo da Tristeza, duas produções do ano passado que colocam os abastados e influentes em maus lençóis, além da série The White Lotus, que explora a mesma vertente, Piscina Infinita é a mais nova adição ao subgênero “Eat the Rich” (se é que podemos classificar tal como um subgênero). Ambientado em uma ilha em algum lugar da Europa Oriental, o filme acompanha James Foster (Alexander Skarsgård, de O Homem do Norte), um autor cujo primeiro romance foi um fracasso, deixando-o com um longo bloqueio de escritor que já dura seis anos. Para buscar inspiração, ele tira umas férias em um luxuoso resort ao lado de Em (Cleopatra Coleman), sua bem-sucedida (e herdeira de uma enorme fortuna) esposa. Como um casal, James e Em são vazios e distantes o suficiente para indicar uma acomodação à realidade da maioria das pessoas que vêm do dinheiro.

O resort onde o casal está passando suas férias lembra uma luxuosa cidade cercada por uma muralha, até com um nightclub e um restaurante chinês dentro do local; tudo lindo e maravilhoso. Porém, além dos portões deste paraíso artifical, só o que existe é perigo. Os crimes cresceram exponencialmente, e o violento sistema de justiça exerce a pena de morte sem dó nem piedade. Os hóspedes do resort recebem a ordem de nunca sair da propriedade, e James e Em não são do tipo que desobedeceriam tal ordem. Até que eles encontram a despreocupada Gabi (o furacão da atualidade Mia Goth, de X: A Marca da Morte e Pearl) e seu marido, Alban (Jalil Lespert), que facilmente os convence a sair de fininho do local para uma arriscada excursão em um carro emprestado, rumo à uma praia isolada.

Não há como negar que James também começa a gostar da atenção que Gabi, ao mesmo tempo sugestiva e recatada, dá a ele — quando eles se conhecem, ela apela diretamente para seu ego, se apresentando como sua maior fã, e acrescentando que mal pode esperar por seu próximo livro. É nítido também que James está igualmente excitado pela tensão sexual entre ele e Gabi; uma panela de pressão prestes a explodir.

Depois de um longo dia de preguiça, banho de sol e uma chocante cena de interlúdio carnal (só vendo para acreditar), eles decidem encerrar o dia. Mas no caminho de volta, as coisas vão pro vinagre: em uma estrada escura, James, que está dirigindo, atropela um homem, matando-o instantaneamente. Quando os quatro são levados sob custódia policial, James é naturalmente responsabilizado pelo crime. Ele então recebe duas opções (e aí está o pulo do gato): a primeira é obviamente a pena de morte; a segunda consiste em um questionável cartão “saia livre da prisão” estilo Banco Imobiliário. Para ter direito a ele, James precisa estar disposto a pagar uma enorme soma para clonar a si mesmo e assistir seu doppelgänger ser executado à sangue-frio.

James assina a linha pontilhada e assiste seu clone inocente encontrar uma morte cabulosa (estejam avisados). Sua esposa é obrigada a assistir também, e enquanto ela berra horrorizada e se esquiva do banho de sangue, James começa a enxergar aquilo como uma excitante oportunidade: afinal, nada é proibido ou está além dos limites uma vez que ele possa pagar pelas repercussões financeiras. Tal decisão de James funciona como o gatilho de uma sequência de eventos em que o próprio se encontra atraído por Gabi e um grupo de turistas ricos e hedonistas que se aproveitam da mesma ideia regularmente, para suas próprias vantagens recreacionais.

O elenco de Piscina Infinita é impecável, sem medo de mergulhar de cabeça na maratona de violência sexy do filme. Skarsgård, um ator sempre disposto a um desafio, se transforma fisicamente no receptáculo ideal para uma história sobre egos frágeis e personalidades desmedidas. Ele interpreta James como um homem emasculado e ferido, tão fascinado pela ideia de possuir poder infinito, que se encontra disposto a degradar a si mesmo a qualquer nível. Inicialmente, a súbita onda de poder transforma James no homem dominador que ele sempre quis ser. Mas à medida em que o plot se desenvolve e ele constata que é um caminho sem volta, o público assiste Skarsgård se colocar em conflito e perpetuamente à beira de um colapso, como se procurasse uma forma de ser resgatado de si mesmo.

Alexander Skarsgård em PISCINA INFINITA (INFINITY POOL) | 2023

Também ajuda o fato de que sua parceira de cena seja Goth, uma atriz que, desde o último ano, tem demonstrado a força de seu alcance, gerando mais momentos de cair o queixo em dois anos do que a maioria das atrizes conseguem durante toda uma carreira. Piscina Infinita está cheio até o talo com evidências deste alcance da atriz. Se é que seja possível, Goth supera sua interpretação em Pearl, importando uma qualidade insana, quase feral para sua Gabi, transformando-a em uma presença enigmática e intimidadora.

Se fica a sensação que Piscina Infinita não tem muito plot a seu favor com exceção das crueldades que continuam acontecendo aos personagens, isso é claramente por opção do diretor. Cronenberg não parece interessado em se limitar apenas à história; pelo contrário, ele busca testar os limites de uma experiência sensorial dentro de seu body horror, experimentando diferentes estilos e formas com energia tempestuosa. Sem dúvida um dos maiores destaques do filme é a singular visão de Cronenberg: como poucos, o diretor sabe transformar um banho de sangue em algo belo, mesclando o perturbador com o belo para construir inesquecíveis sequências alucinógenas (trabalhando mais uma vez com seu colaborador habitual, o diretor de fotografia Karim Hussain).

Parece redundante descrever ou mesmo explicar as numerosas jogadas visuais e sonoras que Cronenberg utiliza para situar Piscina Infinita no território do perturbador. Esse nem é o ponto. Este é um filme composto de múltiplas sequências que florescem graças à imprevisibilidade e o choque coletivo de seu público. Trata-se de um filme fascinante em sua intensidade, sensacional em seu compromisso de examinar a feiúra da sociedade, e aterrorizante em seu desapego emocional. Com tudo isso, o longa ainda consegue ser uma cômica acusação contra a constante, cruel tensão entre os abastados e a classe trabalhadora.

Hoje em dia, meio que se tornou um clichê defender um filme classificando-o como original. Ainda assim, vou me arriscar aqui e dizer que Piscina Infinita é diferente de tudo que você já viu, não apenas em escopo mas também em resolução. Por que assistimos filmes? Seria para estar um passo a frente em toda oportunidade ou para concordar em ceder o controle? Piscina Infinita é o tipo de filme que nos lembra que às vezes, a melhor coisa que um cineasta pode fazer é nos levar a lugares que nunca sonharíamos conhecer, sem precisar se desculpar por nada que ele coloque no caminho.

Avaliação: 3.5 de 5.

Piscina Infinita ainda não possui data de lançamento oficial no Brasil, a data deve ser divulgada em breve.

O Trailer Oficial de PISCINA INFINITA (INFINITY POOL) | 2023

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