Crítica: O Pálido Olho Azul (The Pale Blue Eye) | 2022

Classudo, luxuoso e um tanto quanto indigesto, este O Pálido Olho Azul (The Pale Blue Eye, EUA, 2022, 128 min.), é um suculento suspense de assassinato repleto de diálogos rebuscados e floreios sobrenaturais, exatamente como sua estética pede. Imaginando uma parceria ao estilo Sherlock Holmes/Sr. Watson entre um ranzinza detetetive de polícia e ninguém menos que Edgar Allan Poe em gestação, este thriller histórico se apresenta como um misterioso melodrama gótico ambientado em um tenebroso inverno de Nova York.

O cenário inicial em si seria a conceituada academia militar de West Point, no inverno de 1830. Um homem é encontrado enforcado na floresta, seu coração arrancado e seus ferimentos sugerem um assassino do sexo masculino. Ao menos, esta é a conclusão a que chega o investigador Augustus Landor (Christian Bale), cuja reputação de terror de gangues e malfeitores em geral precede sua chegada à cena do crime. Um viúvo em luto sofrendo com o alcoolismo e cuja filha está misteriosamente fora de cena, Landor, e suas habilidades investigativas, podem não ser suficientes para resolver o mistério; porém, com a ajuda de um jovem e excêntrico cadete chamado Edgar Allan Poe (Harry Melling, de O Diabo de Cada Dia, A Tragédia de Macbeth), que se torna seu “assistente”, o resultado pode ser outro.

Robert Duvall, Christian Bale e Harry Melling em O PÁLIDO OLHO AZUL (THE PALE BLUE EYE) | 2022

Curiosamente, o verdadeiro Poe passou alguns meses de sua juventude em West Point, mas não existem registros de nenhum “trabalho paralelo” de investigação em sua biografia. O Poe interpretado por Melling é, como já era de se esperar, um sujeito um tanto estranho, pálido e chegado numa bebida, assim como em escrever e recitar poemas de pouca identificação com aqueles ao seu redor. Ou seja, ele não é um jovem exatamente popular.

Em partes uma história sobre a origem de Poe, O Pálido Olho Azul (adaptado pelo diretor Scott Cooper, do romance homônimo do escritor Louis Bayard publicado em 2006), é um deleite para os fãs dos bons e velhos mistérios góticos antigos, repleto de luz de velas, sombras e cenários invernais. Por baixo da superfície e da trama arrastada, a loucura e a histeria comuns na literatura de Poe dominam. Uma mulher sofre convulsões e se lambuza do sangue de outra; uma aparição assombra Landor, e sussurros de um ritual satânico o leva ao lar de um frenologista recluso (o grande Robert Duvall). À medida que os símbolos do universo de Poe se acumulam ao longo da história — um corvo parece acompanhar os eventos da trama, por exemplo — também se acumulam os grandes nomes do elenco de apoio que vão aparecendo, como Timothy Spall (Vanilla Sky, The Last Bus) no papel de um Coronel intrometido, e a ótima Gillian Anderson no papel da esposa maluca do cirurgião da academia (Toby Jones, do recente O Milagre).

Seguindo com sua fascinação em torno da masculinidade atormentada, o diretor Scott Cooper, nesta que é sua terceira colaboração com Bale depois de Tudo Por Justiça (2013) e Hostis (2017), trabalha com tamanha solenidade que acaba sufocando a diversão. O elemento da tragédia é uma constante na filmografia de Cooper, o que aqui é personificada na performance estremecida, constipada de Bale. Portanto, enquanto Landor tenta aquietar seus demônios nos braços de uma prostituta de bar, sobra para Poe entreter o espectador. Sua perseguição apaixonada pela excêntrica filha do cirurgião, Lea (a bela Lucy Boynton, de Bohemian Rhapsody), parece ser a distração mais lógica do filme, considerando que Poe aprecia suas conversas com sua mãe morta, e que Lea pode estar conversando com o demônio.

Apesar de trazer uma impressionante, dura e surpreendente reviravolta, o suspense O Pálido Olho Azul (cujo título original deriva do conto de Poe, O Coração Revelador, na tradução livre ‘The Tell-Tale Heart’), é melhor apreciado como um curioso estudo de personagem. É somente quando o suposto mistério central da trama é resolvido, que a produção se compromete totalmente com sua proposta; o filme honra a figura real do homem que, entre outras coisas, se tornaria o criador definitivo das histórias de detetive, ao mesmo tempo em que derramaria uma luz nos mais escuros recessos do coração humano.

Avaliação: 3 de 5.

O Pálido Olho Azul estreia no catálogo da Netflix no dia 06 de janeiro.

O Trailer Oficial de O PÁLIDO OLHO AZUL (THE PALE BLUE EYE) | 2022

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