Crítica: Huesera: The Bone Woman (2022)

Huesera: The Bone Woman (PER/MEX, 2022, 93 min.) é um body horror sobre gravidez e maternidade, mas não no sentido que David Cronenberg ou David Lynch fariam. O filme da diretora e roteirista Michelle Garza Cervera não está particularmente interessado em estômagos distendidos ou tubos bombeando sangue; “huesera”, na tradução livre, seria algo como “ortopedista”, e como podem ver no principal pôster do filme, um esqueleto sem cabeça segura um crânio em cada mão, contorcido de forma que pareça um útero e as trompas de falópio, numa indicação do que está por vir. Trata-se de um filme sobre nervos, desconforto e sobre a dor de forçar si mesmo a ser e querer algo que você não quer ser ou ter, como forma de corresponder às expectativas e convenções familiares. Sobre escavar partes de si mesmo que estão escondidas do mundo. mesmo daqueles mais próximos.

Huesera: The Bone Woman traz Natalia Solián no papel de Valeria, uma jovem mulher que está tentando engravidar de seu marido, Raúl (Alfonso Dosal). Nos minutos iniciais, somos apresentados a dois rituais reprodutivos, onde Valeria reza ao lado de sua mãe para uma estátua gigante da Virgem Maria em um deles, pedindo pela concepção; e se envolve em uma experiência sexual semi-passional com seu marido no outro, e no geral, fica aparente que Valeria não é lá muito fã de crianças, apesar do filme mostrá-la trabalhando em sua oficina, usando ferramentas para construir um berço e decorando as paredes do quarto da futura criança. Ela está comprometida a se tornar mãe, mas confusa no coração e na mente.

As coisas se complicam de vez quando, inadvertidamente, Valeria acaba atraindo uma entidade maligna cuja aparência é de uma pessoa sem face. Ela se apoia em sua parente mais próxima, sua tia Isabel (Mercedes Hernández), que a leva a uma curandeira, o que não adianta muito. Enquanto isso, a opressão da assombração exercida sobre Val acaba rachando seu relacionamento, o que a faz repensar sua vida. Corroída pela ansiedade, estralando os dedos constantemente como um tique nervoso, e tentando ser a pessoa que ela pensa que sua família quer que ela seja, ela decide reencontrar sua antiga paixão, Octavia (Mayra Batalla), com quer quer se reconciliar. O romance entre Valeria e Octavia é o núcleo emocional do longa, e os flashbacks o conectando à ação principal informam os arcos dos personagens sem soar redundante. Aprendemos por exemplo que uma tragédia do passado foi determinante para que Valeria aceitasse o modo de vida que hoje a faz infeliz.

HUESERA: THE BONE WOMAN (2022)

Como no recente Sorria (crítica aqui no Filmes do Kacic), Huesera gira em torno de uma mulher que tenta administrar seus relacionamentos e expectativas enquanto é torturada pelo sobrenatural. À princípio, por exemplo, Raúl parece ser mais amoroso com relação à esposa, mas à medida que as coisas vão ficando mais claras, ele começa a se mostrar mais um aquétipo do homem que enxerga sua esposa apenas como um receptáculo para sua cria. Huesera possui uma natureza mais realista do que o filme citado, entretanto. Às vezes até sutil demais, uma vibe que dá ao filme um ar de cinema arthouse que flerta com o horror. Menos pavoroso, é um filme de aura triste, que utiliza o silêncio e pausas reflexivas para criar um mundo normal onde o sobrenatural se move através da história, ou em torno dela.

Ainda assim, não se trata de um filme destituido de sustos e muito menos entediante. Em várias oportunidades me peguei esperando algo absolutamente horripilante acontecer e nada aconteceu. Contudo, em nenhum momento me senti desapontado pelo suspense da antecipação, e uma vez que o bebê nasce, as coisas escalam dramaticamente ao ponto de me deixar na ponta da cadeira, evidentemente temendo pela criança. Inclusive, este é um ponto que sempre me pega de surpresa em filmes não apenas de horror; crianças. E Huesera não deixa por menos em tal quesito. Contudo, a tranquila satisfação da conclusão é o que menos soou como horror convencional para mim. O filme deixa muito a ser considerado, e amarra a história de maneira realista talvez até demais, o que pode decepcionar o fã do horror mais hardcore.

Cervera faz um admirável uso da duração de seu filme: Huesera tem ótimo ritmo, e a sensação é a de que muita coisa acontece na trama, mas nunca em exagero. O filme alterna momentos mais lentos de construção de sua história com afiados momentos de tensão. Grande parte desta tensão vem da arrepiante criatura híbrida parte humana/parte aracnídea sem face, que parece assustadoramente real. A fotografia da produção também merece destaque, como na fantasmagórica sequência final que ocorre em um estado de transe, magnificamente capturada pelo cinegrafista Nur Rubio Sherwell.

O elenco, apesar dos nomes pouco conhecidos, também é ótimo. As cenas entre Valeria e Octavia são naturais e elétricas, e mesmo as personagens com menos tempo de cena (Hernández como Isabel, Martha Claudia Moreno como Ursula, Sonia Couoh como Vero e Anahí Allué como Norma), são bem escritas e interpretadas. Especialmente se considerarmos que estamos falando de um filme essencialmente de horror, onde coadjuvantes geralmente não passam de bucha de canhão. Mas são mesmo Batalla e Solián as donas do filme. Basta uma olhada em Octavia para entender o quanto Valeria tanto sentia falta e porque ela retorna, ao mesmo tempo em que é perceptível também que Octavia, por mais cool e independenta que ela seja, também sentia a falta de Valeria, e que após ela sair de sua vida, Octavia se sente perdida desde então.

São estas conexões humanas a força real de Huesera: The Bone Woman, que abre mão de mais sustos e um final mais sombrio em favor de uma honesta meditação sobre nossas escolhas, o amor e a ansiedade da expectativa, ainda que tudo venha travestido como um body horror, porém menos orgânico e explícito.

Avaliação: 3 de 5.

Huesera: The Bone Woman não possui data de lançamento oficial em território brasileiro, mas deve ser disponibilizado através de plataformas alternativas no dia 16 de fevereiro.

O Trailer Oficial de HUESERA: THE BONE WOMAN (2022)

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