Crítica: The Rock in the Sea (2022)

Eu costumo dizer que a solidão é um indicativo de bom cinema. Alguns dos melhores filmes de que tenho memória abordam o tema da solidão, como os relativamente recentes A Montanha Matterhorn (Diederik Ebbinge, 2013) e Uma Vida Comum (Uberto Pasolini, 2013), por exemplo. Não é surpresa para mim que este belíssimo curta irlandês, The Rock in the Sea (IRL, 2022, 42 min.) tenha evocado o mesmo efeito hipnótico e reflexivo dos filmes citados e de um punhado de outros, cuja solidão e o isolamento permeiam cada frame e propelem cada atitude de seus personagens castigados pela vida.

Totalmente ambientado em uma ilha distante da costa irlandesa, mais precisamente a ilha de “Inishtrahull”, no século nove, o curta acompanha Colum (o sensacional Jonathan French), um monge que luta para lidar com a inevitável e iminente morte de seu pai, Muiredach (o veterano Sean Derry). Em um período de expansão Viking, onde a ameaça de invasão é uma realidade constante, Colum precisa ainda enfrentar as dificuldades em torno de seu isolamento, e uma revelação do passado que ameaça demolir sua existência. Para encontrar seu lugar no mundo, Colum precisará confrontar seu passado e sua própria identidade.

Jonathan French e Sean Derry em THE ROCK IN THE SEA (2022)

Com uma duração de 42 minutos, The Rock in the Sea bem que poderia ter sido ambientado como um longa-metragem, tamanha a profundidade de suas camadas dramáticas e narrativas. A direção é do estreante Nial Duffy, que por sua vez não dá nenhuma indicação de ser um estreante com seu belo e seguro trabalho atrás das câmeras. Seu filme é um confronto testamental de temas tão rochosos quanto a própria ilha onde a produção é ambientada, como o medo da morte, o luto, o isolamento e a culpa. É também um filme sobre o poder da resiliência frente ao caos, da coragem frente ao desespero.

O isolamento, essa força invisível capaz de partir ao meio até o mais forte dos indivíduos, é capturado em toda sua profundidade por Duffy. Filmado na ilha mais antiga e mais ao norte da Irlanda, The Rock in the Sea não possui uma tomada sequer onde a costa do continente apareça, nem mesmo ao longe. Tal decisão do diretor cria uma verdadeira e incômoda sensação de isolamento, onde tudo o que é visível, de ponta a ponta do horizonte, é apenas o mar e o céu nublado. Curiosamente, a ilha de Inishtrahull foi realmente habitada por monges no passado, no início da Era Cristã em torno do ano 500 D.C. Tais monges inclusive deixaram traços visíveis de sua existência no local, mas o nome do Santo associado a eles já foi esquecido.

Tal paralelo se aplica ao próprio protagonista. À beira do esquecimento no que para ele pode bem ser a face mais distante do planeta, Colum (e o filme) passam boa parte em total silêncio. E é então que entra em cena Jonathan French, que se tornou figurinha carimbada aqui no Filmes do Kacic (vejam aqui as críticas de Caveat e I Am an Island, dois grandes trabalhos do ator), que com sua tímida figura física, entrega uma performance que transforma o uso de palavras em algo supérfluo. French está impecável, carregando o filme nas costas, canalizando emoções de maneira impressionante que resvala no brilhantismo. É a melhor atuação deste ator que já há algum tempo mais do que merece uma oportunidade no cinema mainstream. O veterano Sean Derry também está ótimo no papel de Muiredach, e as cenas envolvendo as interações da dupla possuem silencioso e sutil impacto.

A direção de Niall Duffy transmite a segurança de um diretor veterano na indústria. O cineasta domina o tom e a natureza visual de sua obra com afirmação invejável. É digno de atenção também o trabalho de locação e figurino, e eu particularmente adorei a representação de um distante barco Viking em um determinado frame, num toque que pode parecer segundo plano, mas que valoriza demais a produção e de certa forma ressalta ainda mais o isolamento de Colum, que está fora do alcance até de seus próprios inimigos, e cuja nêmesis mais perigosa é ele próprio.

Indicado a onze prêmios no Underground Cinema Awards, onde abocanhou cinco estatuetas, incluindo Melhor Filme, Diretor e Ator, além de levar para casa os prêmios de Melhor Filme dos festivais Disappear Here e New Renaissance e de Melhor Diretor no Best Film Awards, The Rock in the Sea é mais um trabalho sensacional do cinema irlandês este ano, depois do merecidamente badalado Os Banshees de Inisherin. Um trabalho profundo, honesto e contemplativo de Duffy, French, Derry e cia, que emociona não por tudo aquilo que é visível aos olhos, mas sim pela multitude de sentimentos escondidos no coração e mente de cada um.

Avaliação: 4.5 de 5.

The Rock in the Sea não possui data de lançamento oficial em território brasileiro, e deve ser disponibilizado em breve no país através de plataformas alternativas.

O Trailer Oficial de THE ROCK IN THE SEA (2022)

Um comentário sobre “Crítica: The Rock in the Sea (2022)

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