Crítica: Nocebo (2022)

Existem duas maneiras do serviço doméstico ser utilizado em um filme de terror: Ou a inocente trabalhadora está entrando em uma armadilha diabólica, ou ela (quase sempre é uma mulher), é na verdade um sorridente anjo da morte, trazendo o caos para seus privilegiados contratantes que não fazem ideia do perigo até ser tarde demais. No recente Nanny, por exemplo, da diretora Nikyatu Jusu, nós temos o cenário n°1. Neste Nocebo (IRL/UK/FIL/EUA, 2022, 96 min.), novo filme do diretor Lorcan Finnegan (do divisivo Viveiro, 2019), em que outra trabalhadora braçal imigrante chega para trabalhar em uma luxuosa mansão, o cenário é o segundo.

Esta co-produção entre Irlanda e Filipinas é uma intrigante, quase totalmente bem sucedida mistura de crítica sócio-política com elementos de suspense psicológico e sobrenatural, mais forte em seu estilo de direção e performances do que no roteiro propriamente dito. Finnegan e seu roteirista, Garret Shanley, já trabalharam juntos em outras duas produções, o horror folk Without Name (2016) e a citada Viveiro, uma sci-fi com um quê de Além da Imaginação, e ambos os filmes revelam-se mais enigmáticos que Nocebo (cujo nome seria o antônimo negativo do “efeito placebo”), ainda que nesta narrativa as explicações nada sutis também sejam guardadas na manga até o final.

Eva Green em NOCEBO (2022)

Christine (Eva Green) e Felix (Mark Strong) são pais distraídos e ocupados que mal parecem ter tempo para criar a pequena Roberta (Billie Gadsdon), a adorável filha de oito anos do casal. Ele é um estrategista de marketing, ela uma designer de moda que está lançando uma nova linha de roupas para crianças. Mas durante um evento, Christine recebe um perturbador telefonema (cuja mensagem exata o público fica sem saber até muito mais tarde), e em seguida sofre uma inexplicável e ameaçadora visão. Oito meses depois, ela continua ruim da cabeça, e é constantemente atormentada por dores físicas, ataques de ansiedade e lapsos de memória.

Portanto, ela não fica particularmente intrigada com a chegada de Diana (Chai Fonacier), uma jovem filipina que diz ter sido contratada “para ajudar”, apesar de Christine não ter nenhuma lembrança sobre ter procurado tal tipo de assistência. Independente disso, ela precisa de ajuda, e de fato Diana demonstra ser uma excelente dona de casa e também uma ótima cozinheira. Não importa o fato de que ela pode ser um pouco invasiva demais às vezes… sem falar que ela possui uma mala cheia de objetos talismânicos em seu quarto, e adiciona substâncias desconhecidas na comida da família.

A pequena Roberta, inicialmente ressentida com a chegada desta estranha, é eventualmente convencida. Mas Felix permanece cético em relação a Diana, o que cria um conflito entre eles — e entre ele e sua esposa, que rapidamente se torna totalmente dependente da nova moradora da casa. Christine não tem certeza se acredita na fantasiosa história de Diana (sobre ela ter sido testemunha da morte de uma curandeira quando era criança, e portanto herdando a alma feiticeira da mulher, seu conhecimento e inacreditáveis habilidades). Mas Christine é sem dúvida uma fervorosa convertida dos métodos de Diana, que a aliviam demais de suas próprias aflições mentais e físicas, pelo menos a curto prazo.

Porque à princípio, aqueles remédios e ervas medicinais parecem inofensivos até para Felix. Mas ele suspeita de que esta misteriosa mulher é algum tipo de usurpadora, mesmo antes do espectador constatar que Diana está infiltrada dentro da casa da família em uma sinistra missão de vingança bastante pessoal.

Enquanto que os filmes anteriores de Finnegan e Shanley eram fantasias distópicas conduzidas menos pela história do que pelos detalhes e atmosfera, Nocebo possui um plot comparável. O filme é até discutível no volume de informação nos flashbacks da vida de Diana nas Filipinas, que abrange uma boa quantidade de injustiças mostradas rápido demais para possuir máximo impacto. Nas primeiras sequências em tempo atual, o roteiro não fornece dimensão suficiente para Christine ou Felix, pelo menos não o suficiente para que possamos enxergá-los como vítimas e estereótipos de exploradores ocidentais.

Isso faz com que as alternâncias entre estas duas facetas do casal de personagens (que mais tarde farão diferença na trama) não convençam e pareçam abruptas, apesar dos esforços dos ótimos intérpretes. Green é uma performer magnética, mais persuasiva quando sua personagem está confiante e no comando do que quando se encontra vulnerável (muito menos quando se encontra histérica), e Strong não recebe muito para trabalhar com o tempo limitado de cena de Felix. Mas ambos possuem carisma suficiente para manter o público entretido. Já Fonacier se sai melhor, interpretando com hábil sutileza um papel que poderia facilmente cair na caricatura da governanta sinistra vista em tantos outros exemplares do gênero.

O filme é extremamente atrativo visualmente, graças ao astuto design de produção (um fator que se revela uma constante quando falamos do trabalho de Finnegan e Shanley), que trabalha muito bem a forma como amplia a vibração das cores, especialmente nas cenas que se passam nas Filipinas. O score original do músico Jose Buencamino, que incorpora alguns elementos da percussão asiática, é outro grande ponto a favor da produção.

Nocebo traz uma mensagem de reconhecimento no final dos créditos sobre um terrível incêndio que ocorreu em uma fábrica de calçados na cidade de Manila, em 2015, e que vitimou 74 pessoas. É um lembrete do tipo de ambiente explorador e hostil de trabalho informal/ilegal que beneficia os ricos e a faceta mais capitalista do mundo da moda e das grifes. A forma como Nocebo trabalha a questão e sua ligação com a narrativa é um tanto apelativa, mas Finnegan equilibra os elementos mais díspares do roteiro com tamanha desenvoltura, que o todo acaba se revelando um filme cativante, ainda que não totalmente profundo ou plausível.

Avaliação: 3 de 5.

Nocebo estará disponível em digital e VOD no dia 22 de novembro.

O Trailer Oficial de NOCEBO (2022)

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