Crítica: O Gabinete de Curiosidades (Guillermo del Toro’s Cabinet of Curiosities) | 2022

Como já comentei anteriormente aqui mesmo no Filmes do Kacic, mais especificamente nas críticas dos filmes V/H/S/94 e V/H/S/99, eu simplesmente ADORO uma boa antologia de horror. E quando a antologia em questão vem “apadrinhada” por um dos maiores cineastas de todos os tempos, aí realmente não tem como dar errado. O Gabinete de Curiosidades (Guillermo del Toro’s Cabinet of Curiosities, EUA, 2022), é o mais novo deleite de Halloween cortesia do genial Guillermo del Toro (de tantos filmes ímpares do reino do horror e da fantasia como O Labirinto do Fauno, A Colina Escarlate e A Forma da Água), e sem dúvida um dos maiores eventos da Netflix no ano.

E de fato, não faltam “curiosidades” macabras e obscuras na galeria pensada por Del Toro e cia. Cadáveres de todos os tipos e tamanhos, em necrotérios, debaixo da terra ou caminhando entre os vivos, casas assombradas por forças malignas, fantasmas e assombrações variadas, além de monstros e maldições em geral, são apenas alguns dos elementos assustadores que permeiam as oito histórias independentes dirigidas por algumas das vozes mais potentes do terror atual.

O time de realizadores é invejável: Panos Cosmatos (Mandy), David Prior (O Mensageiro do Último Dia), Vincenzo Natali (Cubo, Campo do Medo), Jennifer Kent (O Babadook), Keith Thomas (The Vigil: O Despertar do Mal, Chamas da Vingança), Catherine Hardwicke (Saga Crepúsculo), Ana Lily Amirpour (Garota Sombria Caminha pela Noite) e Guillermo Navarro (de séries como Hannibal e Godfather of Harlem), mostram seus talentos e inclinação natural para o gênero. Ainda que o título da antologia e a própria natureza do projeto dê óbvio destaque para del Toro, fica claro que o mestre da fantasia utiliza o projeto para destacar o massivo talento dos outros cineastas. Del Toro atua como o showrunner e produtor do show, o que fica mais do que nítido no esmero único de cada segmento, que recebe tratamento visual digno das maiores produções envolvendo o nome do diretor.

Rupert Grint e Daphne Hoskins em “Sonhos na Casa da Bruxa” (Dreams in the Witch House), segmento de O GABINETE DE CURIOSIDADES (GUILLERMO DEL TORO’S CABINET OF CURIOSITIES) | 2022

O massivo elenco também impressiona: Rupert Grint (franquia Harry Potter, a série Servant), Essie Davis (O Babadook), Andrew Lincoln (o eterno Rick Grimes da série The Walking Dead), o vencedor do Oscar F. Murray Abraham (Amadeus, Encontrando Forrester), Ben Barnes (O Retrato de Dorian Gray, série The Punisher: O Justiceiro), Elpidia Carrillo (O Predador), Crispin Glover (A Vingança de Willard), Tim Blake Nelson (O Incrível Hulk, E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?), Peter Weller (Robocop: O Policial do Futuro), Eric Andre (Bad Trip, Jackass Para Sempre), Sofia Boutella (Climax, A Múmia), entre muitos outros, dão as caras ao longo dos oito segmentos da antologia.

Numa estratégia nunca tentada antes pela toda-poderosa Netflix, O Gabinete de Curiosidades terá seus episódios exibidos ao longo de quatro noites neste final de outubro, sempre em um programa duplo, dois episódios por vez. Começando na terça-feira, dia 25, com o primeiro episódio, “Lote 36” (Lot 36), baseado em uma história do próprio Del Toro, com roteiro de Regina Corrado (da série Deadwood) e direção de Guillermo Navarro, colaborador habitual de Del Toro como seu diretor de fotografia. no conto, Tim Blake Nelson interpreta um ex-soldado arrogante e descontente com a vida que descobre o tal “lote 36” do título; uma unidade de armazenamento que guarda um terrível segredo. Elpidia Carrillo, Demetrius Grosse (da série Fear the Walking Dead) e Sebastian Roché (da série The Originals), completam o elenco. O segundo episódio da primeira noite é “Ratos de Cemitério” (Graveyard Rats), que reúne o ator David Hewlett (A Forma da Água) com del Toro, em um episódio inspirado no conto de Henry Kuttner, aqui adaptado e dirigido por Vincenzo Natali, onde um coveiro que age também como um ladrão de sepulturas se depara com uma inusitada ameaça: a população de ratos do cemitério. Quem conhece a história A Criatura do Cemitério (Graveyard Shift), do mestre Stephen King, irá reconhecer alguns elementos dela neste segmento, o que para mim só aumentou o nível de diversão enquanto assistia.

Na quarta, dia 26, o primeiro episódio, “A Autópsia” (The Autopsy), traz F. Murray Abraham, Glynn Turman (da série Mr. Mercedes), e Luke Roberts (da série Game of Thrones), em uma história baseada no conto do autor Michael Shea. O roteiro fica a cargo de David S. Goyer (da série Sandman e do recente Hellraiser), e a direção é de David Prior, que imprime o mesmo clima tétrico de seu O Mensageiro do Último Dia, para contar a história do veterano xerife de uma pequena cidade (Turman), que investiga um caso de diversas pessoas desaparecidas, com a ajuda de seu amigo, um também veterano médico forense (Abraham). Juntos, eles farão uma descoberta aterrorizante. O segundo capítulo da noite, “Por Fora” (The Outside), traz um conto inspirado pela novelista gráfica Emily Carroll, adaptado para as telas por Haley Z. Boston (da série Vingança Sabor Cereja), e dirigido por Ana Lily Amirpour. Kate Micucci (The Little Hours), interpreta uma caixa de banco que, descontente com o que vê no espelho todos os dias, começa a usar uma pomada em seu corpo que provoca uma reação no mínimo incomum, para não dizer arrepiante.

A noite três, explora (para alegria geral da nação), não uma, mas DUAS histórias baseadas na obra do mestre do horror cósmico H.P. Lovecraft, começando com “O Modelo de Pickman” (Pickman’s Model), adaptado por Lee Patterson (Curve), e dirigido por Keith Thomas. O elenco traz uma dupla de peso, Ben Barnes e Crispin Glover, além de Oriana Leman (da série Locke and Key). Barnes interpreta um jovem estudante de arte que conhece um macabro pintor (Glover), que colocará seu mundo de cabeça para baixo. O episódio é seguido por “Sonhos na Casa da Bruxa” (Dreams in the Witch House), estrelando Rupert Grint no papel de um gêmeo em luto que embarca em uma jornada para encontrar o espírito de sua irmã falecida. Ismael Cruz Cordova (da série Os Anéis do Poder), DJ Qualls e Nia Vardalos (Casamento Grego), completam o elenco. O episódio é escrito por Mika Watkins (da série Black Mirror), e dirigido por Catherine Hardwicke.

Hannah Galway em “O Murmúrio” (The Murmuring), segmento de O GABINETE DE CURIOSIDADES (GUILLERMO DEL TORO’S CABINET OF CURIOSITIES) | 2022

Na noite final de O Gabinete de Curiosidades, sexta-feira, 28 de outubro, o primeiro episódio é “A Inspeção” (The Viewing), co-escrito e dirigido por Panos Cosmatos em parceria com seu colaborador Aaron Stewart-Ahn. Peter Weller interpreta um milionário recluso que convida quatro profissionais experientes e bem sucedidos à sua mansão para uma “experiência singular”. Eric Andre, a bela Sofia Boutella, Charlyne Yi, Steve Agee, Saad Siddiqui e Michael Therrialt (Locke and Key), completam o elenco. O episódio final da antologia é “O Murmúrio” (The Murmuring), escrito e dirigido por Jennifer Kent e baseado em uma história original do próprio del Toro. O curta reúne Kent com a estrela de O Babadook, Essie Davis, que divide a cena com o sumido Andrew Lincoln. Eles interpretam um casal de ornitologistas que está lutando para superar a prematura morte da filha — enquanto são assombrados por uma fantasmagórica presença em sua nova casa.

Como também mencionei na crítica de V/H/S/99, o único pormenor quando falamos de antologias de horror, é que é muito raro encontrar uma que seja regular, que mantenha um mesmo padrão entre seus episódios, sem tantos altos e baixos. No caso de O Gabinete de Curiosidades, o resultado é bastante uniforme. Todos os segmentos possuem qualidades e podem ser considerados acima da média. Alguns mais, outros menos. “Por Fora”, “A Inspeção” e “Ratos de Cemitério” são as entradas mais fracas do conjunto todo, ainda que esta última se sobressaia levemente em relação às outras duas. Os dois contos baseados em histórias do próprio del Toro, “Lote 36′ e “O Murmúrio”, se equiparam, e são duas boas adições ao conjunto. A segunda é mais ao estilo do diretor de se fazer horror, com classe e refino visual. Já “Lote 36” remete ao del Toro em início de carreira, com elementos que remetem à obras do diretor como Cronos, A Espinha do Diabo e A Mutação. A direção de Jennifer Kent em “O Murmúrio” também pesa bastante, e faz diferença no resultado final.

O episódio três, “A Autópsia”, é sem dúvida um dos melhores. Com dois nomes fortes na condução do episódio (o bom diretor David Prior e o experiente roteirista David S. Goyer), além de dois excelentes veteranos frente às câmeras, o segmento é tudo aquilo que você poderia esperar de um agrado de Halloween de gelar a espinha. Talvez este seja o melhor segmento de toda a antologia, mas a dobradinha de Lovecraft da terceira noite é imbatível. Apesar dos dois episódios virem de diretores que eu não aprecio muito, Keith Thomas e Catherine Hardwicke, aqui a dupla constrói episódios que se combinam e formam um olhar digno e assustador que homenageia Lovecraft em todos os aspectos, narrativos e visuais. “Sonhos na Casa da Bruxa”, especialmente, é um deleite de horror gótico que agrada em cheio ao fã do horror, principalmente aos admiradores do pai do terror cósmico.

Ainda não se sabe se O Gabinete de Curiosidades será um evento único ou se existe uma segunda temporada no horizonte. É sem dúvida uma antologia que vai na contramão do que estamos acostumados a ver, por exemplo, nos filmes da franquia V/H/S/, onde o orçamento é de guerra e um próximo filme é sempre algo a ser decidido (se bem que já teremos um V/H/S/85 ano que vem). O Gabinete de Curiosidades é uma produção classe A, com todo o aporte que a Netflix é capaz de fornecer aos cineastas escolhidos e com o pedigree de um dos maiores gênios da história do cinema. O nível de qualidade é tão alto que às vezes parece que diminui um pouco o terror, algo que ocorre também em algumas produções do próprio del Toro, como A Colina Escarlate, por exemplo. É tudo tão bonito e bem feito que nem parece horror (em alguns momentos), porque quando o terror realmente dá as caras na série, mais especificamente na noite de Lovecraft, em “A Autópsia”, “Lote 36” e “O Murmúrio”, o arrepio e os sustos de Halloween estão mais do que garantidos.

Avaliação: 4 de 5.

O Gabinete de Curiosidades estreia na próxima terça-feira, dia 25 de outubro, com dois episódios. Novos episódios serão exibidos, sempre em pares, todos os dias até a sexta-feira, 28 de outubro.

O Trailer Oficial de O GABINETE DE CURIOSIDADES (GUILLERMO DEL TORO’S CABINET OF CURIOSITIES) | 2022

10 comentários sobre “Crítica: O Gabinete de Curiosidades (Guillermo del Toro’s Cabinet of Curiosities) | 2022

      • Ja os dois últimos começam bem e ao final achei apenas mais ou menos.
        Confesso que quem escreveu o A inspeção devia tá sob ação de substâncias tal qual a galera do episódio em questão haha.
        O Murmúrio é bonito mas achei fraco na questão horror (a não ser pelo fato que passar pelo que o casal passou é o maior horror que um ser humano possa passar).

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      • Não sei se você já viu os filmes do Panos Cosmatos, mas é tudo nesse nível de insanidade. Kkkkkkkk
        Mas A AUTÓPSIA pra mim foi o melhor. Aquilo deveria ser transformado em um longa.

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