Crítica: Porquinha (Cerdita/Piggy) | 2022

Quando se trata de filmes de terror, os momentos mais desconcertantes nem sempre vem do sangue ou da crueldade. Em Porquinha (Cerdita/Piggy, ESP, 2022, 90 min.), o horror emerge da crueldade das pessoas e da forma com que tratam a protagonista do filme. Escrito e dirigido por Carlota Pereda, este horror espanhol é repleto de personagens abomináveis que fazem coisas terríveis, e traz uma protagonista que se encontra em um dilema moral entre um assassino e aqueles que a humilharam até quase matá-la. Porquinha possui uma intensidade lenta e crescente que culmina em uma conclusão realmente soberba, e ainda que o filme pudesse ter um roteiro mais coeso e um melhor ritmo, trata-se sem dúvidas de um filme bastante satisfatório. Uma espécie de sequência espiritual do assombroso drama mexicano Depois de Lúcia.

Sara (Laura Galán) é uma adolescente vítima de bullying por causa de seu peso. Ela é humilhada praticamente todos os dias, especialmente por um trio de garotas — Maca (Claudia Salas), Roci (Camille Aguilar), e Claudia (Irene Ferreiro), uma antiga amiga de Sara. Elas chamam Sara pela alcunha que dá nome ao filme, se deliciam em atormentá-la e, em um dia específico, quase a afogaram por diversão. Embora possa parecer que ninguém está disposto a ajudá-la, nem mesmo sua própria mãe (Carmen Machi), cuja resposta para o bullying sofrido pela filha é que Sara é mesmo gorda e precisa perder peso, um estranho (Richard Holmes), decide ele próprio livrar Sara de seus abusadores, sequestrando o trio de garotas. Sara, que encontra o sequestrador bem durante o ato, fica simultaneamente fascinada por ele e aterrorizada pelo que ele pode vir a fazer. Quando o salva-vidas da piscina e uma garçonete são encontrados mortos, a pequena cidade de Sara começa a investigar o que está acontecendo, e a questionam pelo desaparecimento de Maca, Roci e Claudia.

Laura Galán em PORQUINHA (CERDITA/PIGGY) | 2022

Porquinha faz questão de mostrar o quão terríveis as pessoas podem ser. Sara até se sente temerosa com relação ao estranho ao longo do filme, mas são seus maus tratos e os abusos verbais que realmente a afetam. Por consequência, seu histórico de maus tratos impacta na maneira que ela reage ao estranho, que age como seu salvador depois de ver o que as garotas más aprontaram com ela. Sara procura sempre ficar fora do caminho das outras pessoas. Nada que ela faça está “certo” ao olhos de sua mãe rígida e constantemente raivosa. Ela foge de receber atenção e fica tensa quando está perto dos outros, já imaginando a nova leva de insultos que serão despejados contra ela. Numa cena específica, Sara se encontra na piscina, pronta para pular na água porque está sozinha; ela congela quando vê o estranho e imediatamente esconde seu corpo, e em seguida vai removendo suas mãos quando percebe que ele não está criticando ou zombando dela com o olhar.

O filme toma um rumo sangrento, especialmente no terceiro ato, mas muito da tensão é construída em torno das tentativas de Sara em evitar o escrutínio, que por sua vez, acaba trazendo seu ódio acumulado para a superfície e escala para o drama interpessoal. Galán está perfeita como Sara, imbuindo seu personagem com doçura, frustração, e medo. Sara é insegura sobre seu corpo e a atriz transmite tal sensação com perfeição, fazendo com que seu personagem atue de maneira minimalista, na esperança de que passe por determinada situação sem ser notada. Galán também transmite muita coisa com seus olhos emotivos — fascínio, medo, culpa e determinação. Sara é alguém para quem o público torce e com quem se identifica sem fazer força. Há um entendimento embutido no filme com relação ao porquê Sara evita revelar o que viu para a polícia e os pais desesperados das garotas, e tais sentimentos estão todos à mostra na atuação de Galán.

Mais do que qualquer outra coisa, o filme de Pereda explora a violência em torno do bullying. Porquinha não é um filme de vingança propriamente dito, mas a obra com certeza aborda o caos emocional que aflige Sara em uma situação de conflito moral. Deveria ela dizer algo na esperança de que alguém irá resgatar as garotas que fizeram de sua vida um verdadeiro inferno? Deveria ela deixá-las morrer sabendo que poderia ter dito algo sobre o sequestrador, mesmo que elas nem se importam com o fato de quase terem a matado há alguns dias? É um dilema que certamente assombra Sara ao longo de Porquinha, e a combinação disso com o abuso verbal que ela continua a suportar vindo de sua família e das pessoas da cidade, culmina em uma conclusão que me deixou (e deixará muita gente) intrigado.

Porquinha está longe de ser perfeito, entretanto. O filme se arrasta um pouco na porção central, principalmente devido ao roteiro um tanto solto que afeta o ritmo da narrativa. Mas isso é pouco para abater o horror proposto pelo filme, e ainda que seja difícil assisti-lo em alguns momentos, especialmente nas passagens mais cruéis (e acreditem, algumas são particularmente revoltantes), Porquinha certamente tem muito a dizer. E definitivamente não poupa ninguém ao fazê-lo.

Avaliação: 3 de 5.

Porquinha está disponível no catálogo do Prime Video.

O Trailer Oficial de PORQUINHA (CERDITA/PIGGY) | 2022

2 comentários sobre “Crítica: Porquinha (Cerdita/Piggy) | 2022

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