Crítica: O Telefone do Sr. Harrigan (Mr. Harrigan’s Phone) | 2022

O terror em torno dos telefones celulares não são nenhuma novidade no universo do Mestre do Horror Stephen King. Um exemplo claro disso é o livro Celular, publicado pelo autor em 2006 e que rendeu até uma adaptação cinematográfica dez anos depois, onde um sinal emitido em diversos celulares ao redor do mundo transforma os usuários do aparelho em zumbis. Numa escala menor, King explora esta relação com os celulares no conto que deu origem a este O Telefone do Sr. Harrigan (Mr. Harrigan’s Phone, EUA, 2022, 106 min.), uma delicada história de amadurecimento que foca nos aspectos mais dramáticos e menos assustadores da escrita do Mestre.

Contudo, a mágica que se sente ao ler o conto se perde aqui. O filme falha em manter uma conexão devido ao seu ritmo lento, que estica o conto até a duração de um longa-metragem, o que quase nunca funciona. Os elementos mais abertamente de horror são enfraquecidos à medida em que o filme se apoia mais na ambiguidade da narrativa e menos nas evidências. Ao final de O Telefone do Sr. Harrigan, devido à maneira com que a história é estruturada, a sensação que se tem é de que a história ainda vai começar, e não terminar. Os mais jovens vão se interessar mais, mas os adultos e principalmente os fãs de King vão se encontrar bocejando em instantes.

O Telefone do Sr. Harrigan (Mr. Harrigan’s Phone). Jaeden Martell como Craig em O Telefone do Sr. Harrigan Cr. Nicole Rivelli/Netflix © 2022

O filme acompanha Craig (Jaeden Martell, de It: A Coisa) desde a infância até a adolescência. Craig inicia uma amizade com o idoso Sr. Harrigan (o sempre fantástico Donald Sutherland), um bilionário recluso e com sua própria cota de segredos, e com o passar dos anos, eles estreitam os laços de amizade, que compartilham principalmente lendo livros (Craig lê para Harrigan, uma vez que o velhote já não consegue ler as letras pequenas). No processo, Craig vai aprendendo mais sobre o excêntrico Sr, Harrigan, até que um dia o velho vem a falecer. Entretanto, através do telefone do Sr. Harrigan, Craig descobre que nada realmente morre, e entende que Harrigan ainda está tentando se comunicar.

Em uma história cujo foco é nos personagens, o principal trunfo de O Telefone do Sr. Harrigan é a dinâmica entre o jovem Martell e o veterano Sutherland. O bom diretor John Lee Hancock (Um Sonho Possível, Fome de Poder), aqui também responsável pelo roteiro, acerta ao gastar o tempo trabalhando na relação entre a dupla de protagonistas. Martell fica com a tarefa mais difícl, uma vez que precisa alternar entre seu trbalho em cena com a narração em voiceover. O garoto se sai bem enquanto o Sr. Harrigan ainda está vivo, com Sutherland mantendo uma incômoda sensação de perigo iminente no ar com sua sutil performance. Infelizmente, depois da morte de Harrigan na história, as coisas começam a desmoronar com a mudança de tom da narrativa.

Outro ponto a favor do filme é a forma com que a ambientação em torno da história é construída, e também os vários personagens que giram em torno de Craig. King sempre foi um expert em descrever cenários de maneira tão vívida que, caso você nunca tenha estado no Estado do Maine, você ainda assim é capaz de enxergar cada canto descrito por ele em suas histórias. Hancock faz mais um bom trabalho aqui na condução destes detalhes, e a narração de Craig ao descrevê-los ajuda o espectador a embarcar na jornada. As locações e o design de produção são pontos altos, principalmente para quem leu o conto no qual o filme é baseado.

No conto, o alcance de Harrigan desde o além-túmulo é mais aparente. No filme, após sua morte, ainda que coisas estranhas aconteçam e o público possa concluir que alguma coisa estranha está acontecendo, a sensação é ambígua. Não sei se é a estrutura das cenas, os diálogos ou a atuação de Martell durante estas acontecimentos sobrenaturais, mas tais momentos não encaixam como deveriam. Alternando entre o mistério envolvendo o Sr. Harrigan voltando dos mortos e mandando mensagens de celular, e a possibilidade de que tudo não passe de um mal-entendido, a tensão acaba se esvaindo. Quando o espectador chega à recompensa ao final de O Telefone do Sr. Harrigan, a resolução soa vazia.

O Telefone do Sr. Harrigan se desenvolve lentamente, em seu próprio detrimento. O desenvolvimento dos personagens e o relacionamento entre Craig e Harrigan são de longe os pontos fortes do filme. Mas tais elementos funcionavam melhor no conto, e à medida que o tempo passa, dá para sentir a luta para expandir a curta história e transformá-la em um filme, e também o esforço para tentar equilibrar sua alternância de tons entre um drama de personagem e uma leve história de fantasma. Ainda que este conto do Mestre King seja uma boa forma de apresentar o universo do escritor para os mais jovens, é somente com eles que o filme irá realmente funcionar.

Avaliação: 2.5 de 5.

O Telefone do Sr. Harrigan estreia no catálogo da Netflix nesta quarta-feira, 05 de outubro.

O Trailer Oficial de O TELEFONE DO SR. HARRIGAN (MR. HARRIGAN’S PHONE) | 2022

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