Crítica: Deadstream (2022)

Hoje em dia parece muito fácil parodiar o subgênero do horror conhecido como found-footage, o famoso “câmera na mão em primeira pessoa”, popularizado por A Bruxa de Blair e replicado em inúmeras produções do horror ao longo das últimas décadas. Tais iterações vão desde fitas cassetes empoeiradas recém-descobertas (vide a franquia V/H/S/), ou as intermináveis gravações caseiras da ainda rentável franquia Atividade Paranormal, até as reuniões por computador inexplicavelmente graváveis (vide Host ou Amizade Desfeita, por exemplo). É difícil não se perguntar se todas estas histórias rasteiras com sequências em cima de sequências não poderiam se esforçar um pouquinho mais em disfarçar seu real interesse: pegar cada vez mais dinheiro do incauto espectador com cada vez menos esforço.

Em paralelo (mas explorando um terreno semelhante), ultimamente é quase que impossível levar os influencers do YouTube — da maneira que existem hoje, voando em seus aviões supérfluos, recebendo grandes prêmios por fazer aparentemente muito pouco e que se levam desnecessariamente muito à sério — genuinamente à sério.

DEADSTREAM (2022) – Dir. Joseph e Vanessa Winter

Mas o que acontece quando estas duas vertentes do entretenimento audiovisual se cruzam? Mais precisamente, o que acontece quando você coloca um influencer dentro de um terror found-footage? Esta é a pergunta que os diretores e roteiristas Joseph Winter e Vanessa Winter (V/H/S/99) fazem com seu Deadstream (EUA, 2022, 87 min.), e cuja resposta resultante é um filme simultaneamente hilariante e aterrorizante! Deadstream é uma verdadeira gema interminavelmente divertida sobre um influencer transmitindo ao vivo uma noite dentro de uma notória, decrépita e decadente casa assombrada, entregue com sustos genuinamente aterrorizantes, roteiro esperto e um excelente trabalho de maquiagem e efeitos visuais práticos.

Subvertendo o clássico conto da casa mal assombrada, o filme está sempre autoconsciente de que se trata ele próprio de um terror found-footage, e o faz através de reviravoltas técnicas e irônicas que funcionam admiravelmente bem, não só para escrutinizar a cultura dos influencers, mas principalmente para humanizar seu protagonista — mostrando para público e crítica que ainda há terreno a ser explorado dentro do gênero. Por mais incrível que pareça.

O filme começa com um pedido de desculpas: o YouTuber Shawn Ruddy (o próprio Winter), que performa em seu canal para milhões de seguidores online, está retornando de um hiato imposto por ele próprio. Shawn foi cancelado socialmente e perdeu seus patrocinadores depois de se comportar de maneira irresponsável e até ofensiva por diversas vezes — em uma delas por exemplo, ele ofendeu policiais verbalmente sem sofrer nenhuma punição, e em outra oportunidade, ele “contrabandeou” a si mesmo através da fronteira México-EUA.

Joseph Winter em DEADSTREAM (2022)

Em uma tentativa de ganhar seus seguidores de volta depois de ser demonizado pela opinião pública, Shawn planeja passar uma noite em uma casa supostamente assombrada e transmitir ao vivo todo o evento. Armado com uma mochila cheia de câmeras que ele espalha por toda a casa, uma “selfie cam” e vários iPads que ele usa para monitorar suas visualizações e comentários, Shawn se tranca dentro da casa e joga a chave fora. Infelizmente (para Shawn), uma alma penada que habita a casa surge com o objetivo de transformar a estadia do influencer em um verdadeiro inferno. Shawn ainda é inesperadamente surpreendido por uma misteriosa fã, Chrissy (Melanie Stone, também de V/H/S/99), e juntos eles tentarão descobrir como escapar, uma vez que cada tentativa é arruinada pelos diferentes espíritos que também habitam o local.

O filme trilha um caminho curioso no que diz respeito à sua autoconsciência. Através da seção de comentários da live de Shawn, os espectadores parecem ecoar os medos, perguntas, apreensões e críticas que nós, os espectadores do filme, temos enquanto o assistimos. Deadstream também parece dizer que reconhece a arrogância injustificada de Shawn (o mal de 99% dos influencers hoje em dia), e expõe o quão hilariante é para um indivíduo possuir toda a liberdade do mundo para dizer o que pensa, e invariavelmente não ter nada de relevante a dizer. Isso se reflete na cacofonia de vozes na seção de comentários de Shawn quase que simultaneamente, enquanto o YouTuber faz xixi em baldes, tem seu nariz cutucado por um fantasma, e se esconde debaixo de lençóis dentro de um armário.

Em outras palavras, esta quase-quebra da quarta parede nunca parece estacionar o filme em um pântano de incerteza, já que com tantas vozes lhe dizendo o que fazer, Shawn não consegue se decidir sobre que caminho seguir. Os Winters juntam todas as vozes nos comentários em uma só, que parece apontar um espelho para Shawn, para que este saia de seu mundinho e admita que há uma realidade onde ele não é bem-vindo e nem privilegiado apenas por possuir um canal em uma plataforma onde pessoas tomam banho em banheiras cheias de Nutella, ou colocam suas ideologias doentes acima de tudo e todos.

A razão pela qual esta irônica metalinguagem funciona em Deadstream é porque trata-se de algo genuinamente divertido. A história é bem escrita e cativante, e Shawn por si só é um personagem incrivelmente bem-desenvolvido. Ele possui uma inabalável confiança, mas sendo uma cria da internet, ele também possui um jocoso e cativante senso de humor auto-depreciativo que só a era dos memes poderia cultivar. O público o acompanha e torce a cada segundo por ele, enquanto ele tropeça e cai em meio a uma casa que quer devorá-lo vivo, e na forma como mantém esperança e acredita que vencerá mesmo com tudo ao seu redor dizendo o contrário.

Mesmo que ele tenha sido cancelado por ser um idiota em geral, Shawn ainda é capaz de voltar para a plataforma apoiado por patrocinadores e ter espaço para continuar fazendo seu “trabalho” — desta vez porém, ele está bem consciente do poder que possui e como é fácil perdê-lo; volta e meia ele se desculpa com seus patrocinadores por xingar acidentalmente, implorando para não o desmonetizem. Esta é a mesma mentalidade apreensiva que Shawn possui quando Deadstream o oferece de bandeja para a casa assombrada, para ser humilhado e constatar suas falhas, para aprender o que realmente significa estar vivo e enfrentar dificuldades que ele nunca enfrentou antes.

Joseph Winter faz um excelente trabalho ao interpretar Shawn, tornando-o humano através de berros e lágrimas: ele transforma um cara um tanto repugnante em alguém que inspira a compaixão do espectador, ao ponto de torná-lo um “herói”, nem que seja na base do riso. Melanie Stone também está ótima como Chrissy, mas é difícil falar sobre ela sem adentrar o terreno dos spoilers. Mas é o trabalho da especialista em efeitos-especiais Mikaela Kester o outro grande expoente da produção. Kester dá a cada um dos espíritos da casa um físico suntuoso que não é comum em filmes do gênero. As assombrações aqui desorientam, condenam, arrebentam portas e expelem gosma nojenta, derramando bile em Shawn e o forçando a engolir globos oculares. E por aí vai…

Com esta mistura dos melhores aspectos de A Bruxa de Blair com a mesma vibe energética e insana do clássico Evil Dead, Joseph e Vanessa Winter criam um excelente trabalho de horror que é deliciosamente meta, sangrento e assustador. Deadstream é simplesmente imperdível.

Avaliação: 3.5 de 5.

Deadstream chega para download e em digital no dia 07 de outubro.

O Trailer Oficial de DEADSTREAM (2022)

3 comentários sobre “Crítica: Deadstream (2022)

  1. Pingback: Crítica: Feed Me (2022) – Os Filmes do Kacic

  2. Pingback: Os 120 Filmes de Terror Para Ver Antes de Morrer (120 – 81) | Os Filmes do Kacic

Deixe um comentário