Crítica: Sorria (Smile) | 2022

Filme de estreia do novato diretor Parker Finn, Sorria (Smile, EUA, 2022, 115 min.) é cuidadosamente calibrado para causar diferentes efeitos em diferentes espectadores. Para aqueles que não são muito envolvidos com o horror, trata-se de um eficiente scarefest, cheio de grandes sustos e alto nível de tensão. Porém, Sorria funciona de maneira totalmente distinta para o fã do gênero, que vai reconhecer as maneiras com que Finn emula seu trabalho em outros filmes populares de terror, e que também saberá desde o início em que direção a história dele está indo.

O filme às vezes dá a deixa para o público, oferecendo um momento de silêncio onde você já sabe o que vem a seguir. Onde você já sabe que a coisa está prestes a ficar feia. É fácil enxergar o que Finn está fazendo com seus personagens em qualquer momento do filme, e o que ele pretende com sua história — e isso soa totalmente deliberado. Mas mesmo assim, nunca é fácil apagar da mente o impacto quando todo o horror prometido dá as caras na tela. Confesso que eu mesmo estremeci em alguns momentos.

Sosie Bacon em SORRIA (SMILE) | 2022

Trabalhando à partir de seu próprio curta-metragem de 2020, ‘Laura Hasn’t Slept‘, Finn e seu roteiro não desperdiçam tempo estabelecendo quem sua protagonista é, até que seu mundo comece a desmoronar. A terapeuta Rose Cotter (Sosie Bacon, da série Mare of Easttown), trabalha na ala psiquiátrica de emergência de um hospital, e está acostumada a ver pessoas em crise, e a acalmá-las. Ela então encontra Laura (Caitlin Stasey), uma paciente bastante abalada, que alega estar sendo assombrada por algum tipo de entidade maligna que ninguém mais pode ver. Uma criatura com um horripilante sorriso que a atormenta aparecendo sob o disfarce de pessoas que ela conhece.

A história toda soa como uma ilusão paranoica — e quando Rose tenta falar com outras pessoas sobre a criatura malévola, invisível e transmorfa, ela também soa paranoica, para não dizer maluca. “Não estou louca”, ela repete para seu gentil noivo, Trevor (Jessie T. Usher, o Trem-Bala da série The Boys), para sua amarga irmã mais velha, Holly (Gillian Zinser), e para sua antiga terapeuta, Madeline (Robin Weigert). Entretanto, Rose não consegue encontrar um modo de soar convincente quando ela relata o que está ocorrendo, especialmente para um mundo tão cínico e sem compaixão com relação aos indivíduos com problemas psiquiátricos.

Sorria é um filme repleto de truques e artifícios cujo intuito é levar o espectador ao susto. A quantidade de jump scares é tanta que chega a ser engraçado. Finn utiliza ruídos altos e abruptos e cortes brutalmente rápidos para fazer com que o espectador grite e se esquive de coisas tão mundanas quanto Rose mordendo um hamburguer ou arrancando uma unha. Mas não importa o quanto os sustos legítimos se acumulem excessivamente, eles são surpreendentes e convincentes. A edição e a música são conectados de maneira impressionante, e buscam o máximo impacto sempre que a tensão e o suspense são interrompidos por alguma surpresa abrupta e horripilante. Tudo isso faz de Sorria um filme de horror extremamente eficiente, e eu diria até implacável, de maneira incomum.

O trabalho do diretor Finn é o equivalente à performance de um mágico mostrando ao público como o truque é feito, mas tudo é construído de maneira tão efetiva que ainda assim parece mágica. Seu roteiro claramente espelha o da versão americana de O Chamado (que eu pessoalmente adoro), em que Rose vivencia um estranho incidente, descobre que está envolvida dentro um prazo mortal, atrai seu relutante mas honesto parceiro para ajudá-la, e resolve fazer um trabalho de pesquisa sobre o fenômeno, com resultados preocupantes. Mas onde outros filmes que vieram depois e que também seguiram os passos de O Chamado soaram apenas derivativos (incluindo suas próprias sequências), Sorria utiliza a familiaridade da história para gerar ansiedade e antecipação. Quando Rose vê uma possível solução para seu problema, Sorria convida o espectador a considerar o lógico objetivo final de sua descoberta, e perguntar a si mesmo se ela fará a mesma escolha egoísta que a personagem de Naomi Watts fez em O Chamado — e em caso afirmativo, quem sofrerá as consequências.

SORRIA (SMILE) ! 2022

De maneira similar, o cenário de Sorria também emula o do filme Corrente do Mal (It Follows), em que uma ameaça transmitida viralmente de pessoa para pessoa segue implacavelmente atrás de sua próxima vítima, enquanto utiliza uma variedade de rostos, transformando todos na vida da protagonista em uma potencial ameaça. Mas de novo, ao invés de ser uma mera cópia, Sorria usa tal familiaridade para aumentar a sensação de perigo, ao ponto do espectador simplesmente não confiar em mais ninguém que aparece na tela. O que o coloca de maneira esperta dentro da mente cada vez mais corroída de Rose.

O elemento humano em Sorria é tão cuidadosamente calibrado quanto os sustos, o que mantém o público em um estado de incômodo constante. Isso quando não estão se esquivando de algum susto. Finn povoa sua história com potenciais vítimas vulneráveis: Os fãs mais experientes do horror já sabem que podem se preocupar quando descobrem que Rose possui um gato, ou que Holly tem um doce menininho de sete anos de idade, ou que o dedicado ex de Rose, Joel (Kyle Gallner, do remake de A Hora do Pesadelo) é sensitivo e ainda a ama. E o modo com que Rose tenta reprimir um trauma de infância, que ela apenas parcialmente compartilha com Holly e que é também parte da razão pela qual existe tanta tensão entre elas, cria uma bem-vinda carga emocional. Sorria é quase dolorosamente eficiente em preparar a calamidade: é um verdadeiro feito do roteiro, onde cada novo personagem ou elemento é criado para fortalecer o senso de pavor sobre quem irá morrer, e de que terrível maneira.

O tema central do filme por si só adiciona à sensação de temor também. Do momento em que um policial abandona sua responsabilidade de investigar uma morte grotesca ao descartar a vítima com um “ela parece completamente louca pra mim!”, fica evidente que, em seu núcleo, Sorria é um filme sobre o estigma em torno das doenças mentais, e sobre o ímpeto de se descartar ou demonizar as pessoas abatidas por este terrível mal. Finn encontra um terreno fértil no vasto vão entre aqueles que sofrem e aqueles que testemunham. Mesmo os mais bem intencionados deles. A simpatia do público está provavelmente do lado de Rose, que está vivendo sob um terror que não sabe como combater. Mas também é fácil entender porque as outras pessoas vêem a situação com incômodo, tendo que lidar com uma mulher que se comporta de maneira errática e até perigosa, enquanto coloca a culpa de tudo em algum tipo incompreensível de demônio.

Uma versão mais profunda de Sorria talvez fosse ainda mais além em torno da ambiguidade da situação, prolongando-se na questão se Rose está realmente sofrendo um episódio psicótico, provocado pelo stress, excesso de trabalho ou trauma legítimo. Finn opta por evitar este caminho, deixando bem claro que algo sobrenatural está atuando. Trata-se de uma escolha razoável para se fazer em um filme tão devotado em acumular medo, susto sobre susto. Um filme tão preocupado em fazer o público sofrer com a antecipação do pior que pode vir a acontecer, ao mesmo tempo em que se importa de maneira autêntica com as pessoas que sofrerão quando acontecer. Ainda assim, tal escolha acaba roubando um pouco da potencial sutileza de Sorria.

Mas não há absolutamente nada de errado com um filme de horror que é mais focado em aterrorizar seu público do que fazer joguinhos com ele. Como diretor/roteirista, Finn parece saber que as pessoas assistem filmes do gênero por diferentes motivos, alguns mais intelectuais, outros mais emocionais. De qualquer modo, ele faz um trabalho impressionante em garantir que todos saiam satisfeitos, nem que um pouco abalados. Sorria estimula o cérebro e aterroriza sem remorso, e com certeza deixa um sorriso (BÚ!) no rosto do fã de horror quando a experiência termina.

Avaliação: 3.5 de 5.

Sorria estreia nos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, 29 de setembro.

O Trailer Oficial de SORRIA (SMILE) | 2022

10 comentários sobre “Crítica: Sorria (Smile) | 2022

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