Crítica: Blonde (2022)

Enquanto caminhamos em direção à próxima temporada de premiações do cinema, o badalado Blonde (EUA, 2022, 166 min.), biografia ficcionalizada do ícone Marilyn Monroe, dirigida por Andrew Dominik (O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford), e protagonizada pela estonteante Ana de Armas (007: Sem Tempo Para Morrer, Entre Facas e Segredos), chega até nós. Adaptado do livro homônimo de Joyce Carroll Oates, que toma liberdades semelhantes em sua abordagem à vida da estrela, o filme de Dominik com certeza será litigado até o fim. Por mais que o discurso já fosse tempestuoso antes mesmo do filme chegar, ninguém poderia imaginar o que nos aguardava. Blonde é um filme inacreditavelmente explícito para os padrões Netflix, implacável em sua brutalidade.

A produção causa desconforto quase que imediato, mas ao mesmo tempo segura seu espectador pela garganta, não deixando-o ir. Mesmo com seu início tradicional quando falamos de biografias, o filme sempre procura uma maneira de atingir o seu público de maneira inesperada e maldosa; nós acompanhamos a vida de Norma Jeane Mortenson (Armas, impecável no papel de sua vida até agora), a garota comum que mais tarde se tornaria Marilyn Monroe, afastada de um pai que a assombraria pelo resto de seus dias, e abusada pelas mãos de uma mãe que serviria como um prenúncio da dor que Norma ainda viveria. Los Angeles é consumida por chamas: Uma antiga memória, vista através de celuloide queimado, produz as cinzas que caem como flocos de neve na cena suburbana de Hollywood. Neste cenário surreal infernal, a mãe tenta afogar a pequena Norma Jeane durante um escaldante banho de banheira.

Ana de Armas como Marilyn Monroe em BLONDE (2022)

Este é apenas o início de uma torrente de crueldade sofrida por Norma, que mesmo após assumir o pseudônimo da futura estrela do cinema, parece sofrer o mesmo açoite que antes sofria sob a tutela de sua mãe, só que agora infligido pelos homens ao seu redor. Em um de seus primeiros testes para um contrato de estúdio, ela é estuprada por um dos executivos, tudo mostrado sem dó pela câmera de Dominik. Blonde mantém o espectador nesta versão da perspectiva de Monroe o tempo todo: com quase três horas de duração, o filme se desenrola como a visão final da morte de uma mulher renderizada como um objeto a ser consumido, cobiçado, estuprado, brutalizado e devastado. O material já é desconfortável o suficiente, mas os floreios técnicos de Dominik e cia acrescentam ao sadismo: trata-se de um filme perturbadoramente belo, iluminado, enquadrado e concebido como o produto de um pesadelo sinistro.

E, é claro, existem os momentos definidores que com certeza irão gerar o maior debate. As inúmeras cenas de abuso, agressões, abortos, em que a câmera se prolonga, como que agarrando o espectador pela nuca e forçando seu nariz contra a tela. O fato do filme chegar ao público diretamente pela Netflix suaviza um pouco a experiência. Ainda assim, de vez em quando uma ida ao banheiro para lavar o rosto de faz necessária. As provocações são tão explícitas e infinitas, que me leva, como crítico, a ponderar sobre a razão da existência de tal empreitada artística. Blonde abre precedentes para ser considerado um lixo espalhafatoso ou uma crítica digna à celebridade moderna. Cabe a cada espectador decidir o que ele acha que é.

Em minha opinião, trata-se de um filme impressionante e ousado, onde sua abrangente declaração ideológica — a perniciosa natureza de celebrizar o eu, a destruição dos seres humanos, em especial as mulheres vistas sob o olhar público, em serviço do espetáculo — é devastadoramente atual. Sob este prisma, Blonde pode ser considerado um manifesto sobre tantas outras figuras femininas sujeitas à imolação dos flashes das câmeras (hoje leia-se celulares), vistas não como criaturas viventes, mas sim como vítimas merecedoras de nosso olhar coletivo. O filme poderia ser sobre Britney Spears, Amy Winehouse, ou até, de fato, sobre a Princesa Diana, uma vez que de certa forma, Blonde não está tão longe do recente Spencer, do diretor Pablo Larraín.

O centro do debate, então, gira em torno do quanto o diretor Andrew Dominik é cúmplice de seu próprio argumento. É difícil ignorar a sensação de que Dominik está saboreando seu espetáculo masoquista, ao mesmo tempo em que é possível argumentar que Dominik fez um filme inspirado em Marilyn, onde ela é caracterizada de maneira monótona como apenas uma vítima. A verdade é que é difícil não enxergar Blonde como uma crônica sobre exploração e abuso que apenas segue com a tradição das biografias hollywoodianas, porém sob uma direção de mão pesadíssima. A meu ver, Blonde é um filme sobre exploração sim, mas que aponta um espelho ao espectador para nos lembrar de que sim, somos todos cúmplices do cruel espetáculo sendo retratado ali.

Avaliação: 3 de 5.

Blonde estreia no catálogo da Netflix no dia 28 de setembro.

O Trailer Oficial de BLONDE (2022)

2 comentários sobre “Crítica: Blonde (2022)

  1. Muito bom Kacic, ótima explanação como sempre e desta vez contando sobre a obra bibliográfica da vida de Marylin Monroe, bom confesso que nunca vi nenhum filme dela mas ela sempre povoou meu imaginário, pois lembro da gravação dela cantando happy birthday para um presidente americano, vendo ela cambaleante de drogas e depois vir a saber que faleceu sobre efeitos de mais drogas, isso tudo despertou a curiosidade lá idos acho 90 (final 80 para 90) o qual esta música que ela canta, foi inserida um trecho em uma música do estilo house, aqueles batidão de danceterias (não existia as balas) como Overnight e foi assim que conheci esta gata ícone mundial e um tempo que não existia internet, enfim ansioso pra ver a “Lora”

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