Crítica: Pearl (2022)

Parece que foi ontem que o slasher retrô X: A Marca da Morte chegou até nós. Opa! Na verdade foi ontem mesmo! Minha crítica aqui mesmo no Filmes do Kacic foi publicada no dia 16 de março deste ano. Ou seja, apenas SEIS meses separam o filme desta sua sequência/prequel Pearl (CAN/EUA, 2022, 102 min.), que por sua vez pode ser considerada uma anomalia dentre as sequências e prequelas do gênero horror. O fato desta sequência simplesmente existir não é a melhor parte, mas sim o fato extraordinário de que Pearl é mais do que apenas uma prequela fantástica; o filme ilumina e recontextualiza com sucesso seu antecessor, aprimorando dramaticamente um filme que por si só já era aclamado.

Só relembrando, o filme original se passa nos anos setenta e acompanha um grupo de cineastas independentes que alugam um chalé em uma fazenda de um casal de idosos. A missão do grupo é clandestina: filmar secretamente um filme pornográfico estrelando Maxine Minx (a bela Mia Goth), escondido dos donos da propriedade. Não demora para a coisa degringolar e todos do grupo começarem a ser abatidos um-por-um pela personagem-título desta sequência (também interpretada por Goth), a idosa dona da fazenda, que almeja sentir novamente seu auge sexual da juventude. X: A Marca da Morte é distintamente estiloso e esperto, onde seu realizador, o ótimo Ti West (também o diretor aqui), brinca com a ideia de que seu filme acredita na liberação sexual, mas ao mesmo tempo espera que seu público se sinta enojado com a ideia de pessoas idosas como criaturas sexuais.

Mia Goth em PEARL (2022)

Pearl é ambientado no ano de 1918, no final da Primeira Guerra Mundial e durante a mortal epidemia de gripe que matou mais de 600 mil pessoas somente nos EUA. Então, como aconteceu conosco mais de cem anos depois, o pessoal da época ficava em casa, com medo de interagir com outras pessoas e usando máscaras para se proteger da infecção. Pearl (interpretada novamente por Goth), é uma jovem cujo marido está servindo seu país em terras distantes. Ela convive com Ruth (Tandi Wright), sua mãe opressiva e insuportável, e seu pai inválido (Matthew Sunderland), na fazenda da família. Pearl sonha, como tantas outras garotas do interior, em deixar sua vida isolada e pouco relevante para trás. Ela acha que pode ser uma dançarina, e começa a se preparar para um teste em um espetáculo musical da igreja, que poderia tirá-la da prisão familiar e levá-la ao mundo do show business.

Pearl é uma criatura de desejos apaixonados e fúria silenciosa. Sua libido está à flor da pele e sem via de escape, ao ponto de que os espantalhos do local se tornem seus brinquedinhos. E ainda que ela converse com os vários animais da fazenda como se fossem seus melhores amigos, como num conto de fadas da Disney, ela também os mata sem cerimônia nenhuma, usando-os para alimentar o crocodilo que ela guarda no lago atrás de sua casa.

Em Pearl, West e Goth (que também co-escreve o roteiro), traçam um desconfortável paralelo entre a repressão romantizada tão comum nos melodramas de Hollywood, e a ativação gradual de uma serial killer. Trata-se de uma conexão que permeia cada cena e cada tomada do filme, sempre de maneira eficiente. A fotografia exageradamente colorida e exuberante de Eliot Rockett (também de X), dá à violência brutal de Pearl uma atraente estética Technicolor. É realmente notável o que West e Rockett alcançam em termos de fotografia tanto em X quanto em Pearl.

West e Goth não estão meramente tentando explicar as motivações de Pearl; eles estão na verdade criticando uma indústria do entretenimento que vende o sexo sob o disfarce da salubridade. O filmes de dança que Pearl assiste no cinema local são pouco mais que uma desculpa para mostrar pernas, e quando ela conhece o bonitão projecionista da sala (David Corenswet), ele apresenta a ela o submundo dos primórdios da pornografia, despindo a fachada de moralidade que ainda segurava os ímpetos da protagonista.

Goth interpreta Pearl com, à princípio, uma impressionante quantidade de restrições. Ela está tentando, genuinamente tentando, ser a pessoa que sua mãe quer que ela seja. A pessoa que seu marido quer que ela seja. A pessoa que os filmes querem que ela seja. Mas em uma cena pivotal gloriosamente executada, uma discussão entre Pearl e sua mãe escala até algo que não pode ser desfeito, deixando a protagonista com apenas uma opção: se comprometer completamente à sua carreira no show business, e também cometer vários assassinatos no caminho.

Pearl é um filme genuinamente assustador, e ainda que seja West quem inegavelmente prepara a ação, é Goth quem performa as verdadeiras maravilhas. Seu retrato da protagonista é dolorosamente triste e chocante, culminando em um dos melhores monólogos do horror moderno rodado em apenas um longo e implacável take. Uma outra cena provavelmente ficará na cabeça do espectador quando os créditos começarem a subir. Vocês saberão de qual cena estou falando.

O filme já funcionaria bem sozinho, mas assistido em conjunto com X — onde vemos o destino de Pearl 50 anos depois — Pearl acrescenta pungência à saga de maneira geral. Os sonhos de Pearl de deixar a fazenda foram, claramente, permanentemente arruinados por sua compulsão homicida e sua necessidade de permanecer em isolamento. E os paralelos entre as ambições de Maxine e liberação sexual, e a própria jornada fracassada de Pearl, fazem com que X funcione em níveis mais honestos e trágicos do que quando assistido sozinho. A sexualidade que parecia desesperada para evocar gritos imaturos de terror em X, agora parecem menos com um mero preconceito de idade equivocado, e mais como a culminação natural de uma longa existência vivida em um perpétuo estado de anseio por prazer carnal, moral ou imoral, incessante, até o fim.

Pearl não é apenas um ótimo filme; ele retroativamente faz de seu predecessor um filme ainda melhor. Trata-se de um drama de horror surpreendentemente reflexivo e triste, com cenas, tomadas e performances que farão com que o público fique em dúvida se deve rir, chorar ou se encolher em tensão aterrorizante. Ou fazer as três coisas juntas.

Avaliação: 3.5 de 5.

Pearl estreia nos cinemas americanos no dia 16 de setembro com distribuição da A24, e ainda não possui data de lançamento oficial em teritório brasileiro.

O Trailer Oficial de PEARL (2022)

3 comentários sobre “Crítica: Pearl (2022)

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