Crítica: Ultrasound (2021)

Ainda que seja melhor manter as particularidades da narrativa deste Ultrasound (EUA, 2021, 103 min.) em segredo, a premissa básica acompanha Glen (Vincent Kartheiser da série Mad Men), que está tendo alguns “problemas com o carro” depois que seus pneus são estourados por uma tira de pregos deixada na estrada. Ele então busca refúgio em uma casa próxima do local, onde os residentes – o casal formado por Art (Bob Stephenson) e Cyndi (Chelsea Lopez) – se oferecem para abrigar Glen naquela noite. Porém, logo se torna claro que nem tudo é o que parece na residência do simpático casal.

A estreia na direção de Rob Schroeder, este interessante thriller sci-fi canaliza a vibe de um David Cronenberg em início de carreira, mas sem o gore, basicamente. E mais uma vez afirma a virtude dos fundamentos de uma narrativa afiada que prevalecem sobre superproduções de orçamento inchado. A premissa inicial, a qual já vimos em tantos filmes de terror ao longo das décadas, é apenas o gatilho de uma odisseia cerebral ambiciosa e labiríntica, que mergulha fundo no poder e no impacto psicológico da sugestão hipnótica.

Vincent Kartheiser em ULTRASOUND (2021)

Schroeder faz um fantástico trabalho em manter o espectador em constante estado de incômodo, à medida em que vai aos poucos desembaraçando as teias de seu pesadelo mental. Algumas guinadas inesperadas, tanto de perspectiva quanto do que consideramos realidade, garantem uma rápida escalada na esquisitice, e flerta com a metalinguagem e a própria natureza da vertente cinematográfica enquanto o conceito central da narrativa vai aos poucos se tornando claro. Há uma necessária e contínua ofuscação da verdade presente ao longo do filme, uma vez que o público deve considerar o que é real e o que é na verdade uma parte de um experimento maior que ocorre dentro de um laboratório. Schroeder e seu roteirista, Conor Stechschulte, ocultam os principais detalhes por um bom tempo, mas encontram uma maneira satisfatória de colidir tudo no terceiro ato da produção.

Não, esta não é mais uma ficção-científica opaca e auto-consciente que confunde de maneira perversa a cabeça de seu público uma vez que os créditos finais chegam. Muito da explicação final pode até ser expositória por natureza, mas uma vez que grande parte do filme se passa em um sinistro laboratório, esta abordagem clínica não soa fora de contexto. Ultrasound é um filme difícil de avaliar sem adentrar o território dos spoilers, então talvez seja mais apropriado discutir seus temas, e não sua história. A comparação com Cronenberg encontra sua melhor tradução através da sutil e inteligente crítica política que o filme constrói, examinando o terrível potencial de tecnologias de hipnose em larga escala e a dificuldade para a “boa ciência” existir em benefício da humanidade em uma sociedade capitalista (isso não é uma crítica ao capitalismo, vejam bem).

Schroeder deve ser também elogiado por sua direção sóbria e deliberadamente paciente, que aproveita ao máximo a excelente fotografia de Mathew Rudenberg, que entrega close-ups evocativos e algumas tomadas “fora de foco” que servem perfeitamente ao filme. O pacote visual é amarrado com perfeição pelo climático score musical eletrônico à cargo de Zak Engel. Por mais engenhosa que a execução seja, os esforços de Schroeder são acompanhados pelo ótimo elenco, liderado por Vincent Kartheiser, cujo personagem não tem como estar mais distante de seu inesquecível Pete Campbell de Mad Men, e que ao lado de Chelsea Lopez, vende de maneira brilhante a sensação de desorientação que a narrativa central oferece. Breeda Wool também entrega uma sólida performance no papel de Shannon, uma advogada que se encontra cada vez mais atraída pela situação de Glen, ainda que o filme seja quase sempre roubado pelo desconhecido Bob Stephenson, que no papel do esquisitão Art entrega o melhor arco narrativo de um personagem do filme.

Nem todas as pontas soltas da fragmentada narrativa são amarradas de maneira totalmente convincente ou persuasiva – a mais fraca delas, que envolve um desprezível senador republicano (Chris Gartin) que utiliza o poder da sugestão para lidar com uma questão pessoal, soa especialmente anêmica – porém o efeito geral é surpreendente. Uma original e atraente abordagem aos efeitos da hipnose extrema, Ultrasound dribla com sucesso diferentes obstáculos com seu orçamento modesto, e Rob Schroeder faz uma afiada estreia com um thriller sci-fi ousado e criativo, que aumenta continuamente as expectativas de seu público.

Avaliação: 2.5 de 5.

Ultrasound será lançado em Digital e VOD no dia 11 de março.

O Trailer Oficial de ULTRASOUND (2021)

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