Crítica: Contra o Gelo (Against the Ice) | 2022

Heroísmo, obsessão, muito gelo e huskies siberianos. Não existe combinação mais vitoriosa do que esta, do tipo que mostra homens indo além de seus próprios limites para sobreviver à fúria da natureza. Nestas histórias, estes homens muitas vezes sacrificam a si mesmos para salvar as vidas de seus companheiros, e antes dos super-heróis imaginários tomarem conta das mídias como acontece hoje em dia, tais histórias de coragem e superação eram mais admiradas e reconhecidas. Simplesmente porque estes mesmos homens, estes sim, podem ser considerados super-heróis.

O impiedoso Contra o Gelo (Against the Ice, ISL/DIN, 2022, 102 min.), é o típico exemplo de uma destas histórias que mencionei acima. Ambientada em 1909, a produção acompanha uma expedição dinamarquesa liderada pelo capitão Einar Mikkelsen (Nikolaj Coster-Waldau, o eterno Jaime Lannister da série Game of Thrones), que se dirige para a Groelândia. A missão da equipe é tentar recuperar informação coletada por uma expedição anterior, e que está enterrada em um local ao qual os membros da primeira equipe sabiam que nunca conseguiriam voltar; o local exato está marcado em um mapa desenhado a mão recuperado do cadáver de um dos expedicionários iniciais.

Nikolaj Coster-Waldau e Joe Cole em CONTRA O GELO (AGAINST THE ICE) | 2022

Explorações à Groenlândia só podem ser feitas no verão. E deixando a embarcação e sua tripulação na costa, Mikkelsen e um de seus comandados, o mecânico Iver Iversen (Joe Cole, das séries Peaky Blinders e Gangs of London), o único homem a bordo que se voluntariou para o trabalho, embarcam em uma jornada de centenas de quilômetros de gelo, montados em trenós puxados por cães. Quando os cães morrem, eles precisam enfrentar o gelo a pé. O território selvagem é um mundo estranho, tão estranho e perigoso quanto qualquer um deles poderia imaginar.

O filme do diretor Peter Flinth (Arn: O Cavaleiro Templário), é extremamente eficiente em ressaltar o propósito da empreitada. O governo dinamarquês havia financiado a primeira expedição em 1906, e esta nova missão é enviada para estabelecer que o noroeste da Groenlândia, território que os EUA está tentando reivindicar como uma ilha dentro de suas águas costeiras, é na realidade parte integrante da massa de terra da Groenlândia. A área nunca foi mapeada, mas a América insiste que o território é dividido por um canal marinho, e a Dinamarca precisa provar o contrário. O filme nunca martela este ponto, mas é preciso lembrar a coragem e os sacrifícios feitos por ambos os impérios na empreitada.

É claro que não é esta disputa que leva os homens a enfrentar o gelo. Seus motivos são sem dúvida complexos, talvez não sejam claros nem para eles mesmos. O filme também não se aprofunda nestes motivos; para todos os propósitos, tratam-se de bons homens com um trabalho a fazer, e eles morrerão tentando fazê-lo. O ótimo ator dinamarquês Nikolaj Coster-Waldau, que também co-escreve o roteiro ao lado do estreante Joe Derrick, parece ter nascido para interpretar o estóico capitão Mikkelsen. Com experiência gravada em sua face, perícia física e autoridade natural, ele é o tipo de homem em quem você confiaria de olhos fechados para liderá-lo através de uma expedição onde o destino está marcado a lápis em um velho mapa.

O que não deixa de ser perigoso, é claro. Na primeira cena do filme por exemplo, o capitão está retornando de uma incursão anterior à procura do local com seu homem mais experiente em seus ombros; os dedos do homem estão congelados, e Mikkelsen arranca metade dos dedos congelados do homem com alicates enquanto os outros membros da tripulação o seguram. Iversen, seu novo companheiro, nem mesmo possui experiência nos pólos, além de falar demais. Ele possui uma natureza curiosa e irritante, mas seu alto astral e convicção em sua própria sorte (que emerge intacta depois de perder um trenó e ser atacado por um urso), pode ser o que irá salvá-los no final das contas.

Contra o Gelo é por si só uma realização incrivelmente competente. O filme é tecnicamente impecável, e como história de resiliência física e mental, é inspirador. O cenário congelado, iridescente à luz do sol, é outra inspiração. Há entretanto alguns problemas relacionados à longa viagem dos protagonistas, que o roteiro de Waldau e Derrick não consegue dominar totalmente. Mikkelsen e Iversen estiveram na Groenlândia por anos, e é difícil para um roteiro englobar um espaço de tempo tão amplo, com apenas dois personagens e um cenário estéril como o gelo do continente. Mesmo quando a dupla enfrenta perigos mortais, o roteiro acaba acelerando a situação e saltando no tempo para retratar os próximos dias; não há muita construção de suspense em torno do tempo dos dois homens no local, e nem tempo para um respiro depois que o perigo passa.

Mas talvez seja exatamente assim na vida real, quando se está há milhares de quilômetros de qualquer lugar e é preciso continuar seguindo, não importa as circunstâncias. O heroísmo permanece, contudo. Heroísmo, huskies siberianos e o calor da aventura. Nem todo herói usa capa.

Avaliação: 3 de 5.

Contra o Gelo estreia no catálogo da Netflix no dia 02 de março.

O Trailer Oficial de CONTRA O GELO (AGAINST THE ICE) | 2022

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