Nossa imagem pré-concebida de um vampiro é simples: Uma assustadora figura toda vestida de preto com dentes pontiagudos e uma sede por sangue. Se você cruzar o caminho de um deles, não espere viver. Tal imagem, imortalizada pela Sétima Arte através do Conde Drácula em diversas adaptações cinematográficas, tornou impossível não considerá-los como sendo monstros. Mas e se os filmes de vampiro pudessem ser concebidos sob um viés dramático, retratando tais criaturas como pessoas comuns lutando para reaver sua mortalidade?
É exatamente isso que o diretor e roteirista espanhol Igor Legarreta (Agente do Futuro, 2014) faz com seu filme. Uma história sobre destino e família, Todas as Luas (All the Moons/Todas las Lunas/Ilargi Guztiak, ESP/FRA, 2020, 102 min.) não se prende a estereótipos, e acompanha uma jovem recém-transformada em uma criatura da noite, ainda que o termo “vampiro” nunca chegue a ser mencionado. Não há presas pontudas, nem vidas perdidas devido a mordidas no pescoço, e os vampiros retratados aqui preferem se esconder do que atrair vítimas inocentes. Na verdade, as vítimas deste conto são os próprios vampiros; pessoas que estavam à beira da morte e que foram escolhidas para uma segunda vida, uma existência imortal. Porém, tal vida eterna está mais para um eterno inferno.
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O público é recebido ao som de tiros de canhão. O ano é 1876 e a terceira guerra Carlista da Espanha esté perto do fim. Crianças abrigadas no porão de um orfanato rezam cada vez mais alto para Deus as protegê-las. E então, não há nada além de destroços. Contudo, uma das crianças (Haizea Carneros) sobrevive, e enquanto ela luta para sair de baixo de uma enorme rocha, uma figura envolta em sombras se aproxima. O filme então viaja até o momento em que a menina acorda em outro lugar, ao lado de uma mulher (Itziar Ituño, da série La Casa de Papel). E após beber uma substância desconhecida, a garota volta a dormir, mas desperta diferente. As veias em suas pequenas mãos brancas estão saltadas, e cada pequeno som da natureza parece amplificado aos seus ouvidos. A casa na qual ela acorda parece que vai cair a qualquer momento, e cada janela está coberta por tecido. “Você não pode ir lá fora durante o dia”, a mulher diz. “É perigoso e os soldados podem vê-la”. Porém, os soldados não são a única ameaça.
Todas as Luas, em seu núcleo, explora o que realmente significa ser humano. A protagonista, que mais tarde recebe o nome de Amaia, eventualmente terá de escolher quem ela quer ser. Ela embarca em uma jornada corajosa, onde o objetivo é reiniciar o curso de uma vida que foi escolhida para ela. O roteiro de Legarreta e Jon Sagalá é tão cativante quanto vibrante. O score a cargo de Pascal Gaigne é adorável e delicado, em contraste à atmosfera opressiva e assustadora. Porém, o grande destaque técnico é mesmo a fotografia de Imanol Nabea. Algumas tomadas são de tirar o fôlego, especialmente as que são feitas embaixo d’água, sendo que a estonteante tomada final é a cereja do bolo.
O espetacular trabalho de iluminação também merece ser mencionado, especialmente em uma das cenas onde Amaia corre por uma floresta, e uma luz verde parece emanar das árvores ao redor. Legarreta também aproveita bem o talento de seu elenco, especialmente da experiente Itziar Ituño e da estreante Haizea Carneros, que está nada menos que excepcional. Ainda que sua personagem não tenha muito a dizer durante a primeira metade do filme, Carneros consegue internalizar e transmitir emoções fisicamente, num trabalho extremamente complexo para uma atriz tão jovem. À medida em que o filme foca na dor que Amaia sente ao longo de sua nova e sofrida existência imortal, Carneros ajuda a criar um surpreendente e comovente retrato vampirístico. “Sou apenas uma garota,” ela diz. E não resta nada para o público além de acreditar em suas palavras.
Através do tocante retrato que Legarreta cria para o folclore em torno dos vampiros, seu Todas as Luas lida com temas universais como a solidão, a descoberta da identidade, e a inevitável batalha para se tornar dono de seu próprio destino. É muito mais do que estamos acostumados a ver nos filmes de horror hoje em dia. Muito mais.
Todas as Luas teve sua premiere na Espanha em dezembro de 2020, foi exibido no Fantastic Fest em setembro de 2021, e será finalmente lançado para o público no canal Shudder e nas plataformas informais de download no dia 10 de fevereiro.
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