Crítica: Dr. Brain (2021)

Se existe uma coisa sobre a qual eu gosto de me vangloriar, é de ter acompanhando o boom do entretenimento audiovisual sul-coreano desde seu início, no começo dos anos 2000. Hoje, o cinema e as séries sul-coreanas são talvez o que temos de melhor, tanto em matéria de entretenimento puro, como também no que diz respeito ao entretenimento como ferramenta de reflexão. Provas cabais disso são o sucesso dos doramas (séries em formato de novela produzidas por lá), o Oscar de Parasita e seu diretor, Bong Joon-ho em 2019, e mais recentemente, o mega fenômeno Round 6, que se tornou o assunto principal em qualquer conversa sobre fãs e não fãs de cinema e séries de TV. E depois de dominar a Netflix, os sul-coreanos chegam à AppleTV com esta instigante sci-fi Dr. Brain, primeira série sul-coreana do sistema de streaming da toda-poderosa Apple.

E Dr. Brain não decepciona os fãs das produções do país. Muito menos os entusiastas de uma boa ficção-científica. A série é idealizada e dirigida pelo ótimo Kim Jee-woon, de obras marcantes do cinema de seu país, como o estupendo thriller Eu Vi o Diabo (2010), e o horror com pitadas dramáticas Medo (2003), que aqui constrói uma série incrivelmente estranha, mas nunca no sentido pejorativo da palavra. Dr. Brain é criativa e esperta, e com certeza vai abocanhar boa parte dos assinantes Netflix que curtiram Round 6 e estão ávidos por mais diversão oriunda da Coréia do Sul.

Lee Sun-kyun em DR. BRAIN (2021)

Dr. Brain tem ainda outro trunfo em seu protagonista, Lee Sun-kyun, um dos atores do momento na Coréia. Ele interpretou o patriarca da família rica em Parasita, e esteve também no ótimo dorama My Mister (disponível na Netflix), e aqui Sun-kyun interpreta o Dr. Sewon Koh, um cientista excêntrico e visionário que nos é apresentado como uma criança prodígio, cuja mãe veio a falecer em um terrível acidente de carro. A questão é que Sewon consegue lembrar de cada detalhe do acidente, até do rosto do motorista, e isso acontece porque há algo de diferente em seu cérebro, o que desperta nele uma fascinação sobre a forma que os seres humanos processam memórias e emoções.

Anos mais tarde, Sewon se tornou um frio médico com especialização no estudo do cérebro humano, cuja vida profissional rompe barreiras, mas cuja vida pessoal é simplesmente um desastre. Seu filho, Doyoon (Jeong Si-on), está desaparecido, dado como morto pela polícia, e sua esposa, Jaeyi (Lee You-young), está em coma. Para piorar de vez, Sewon descobre através de um misterioso detetive particular (Hee-soon Park), que sua esposa estava tendo um caso com um homem chamado Junki Lim (Kim Ju-hun), que foi assassinado, tornando Sewon o principal suspeito do crime.

Enquanto todo este caos se desenrola em sua vida, Sewon desenvolve uma nova e revolucionária ciência chamada “brain syncs”, que consiste basicamente em transferir memórias de uma pessoa para outra. Ou seja, poderia Sewon usar esta tecnologia para encontrar seu filho, salvar sua esposa e limpar seu nome? Talvez, mas ele logo descobre que esta “sincronia cerebral” traz efeitos colaterais, criando uma ruptura no espaço-tempo. Pode-se dizer então que Dr. Brain é uma mistura de Linha Mortal com A Origem, e ainda uma pitada de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, e mesmo que seus principais elementos já tenham sido vistos e explorados nos filmes citados acima, não há nada semelhante a Dr. Brain na TV há muito tempo.

Desde o início de sua carreira, o diretor Kim Jee-woon se mostrou um autor visionário, um profissional disposto a abraçar o estranho para criar algo inesquecível. Sua nova série é uma montanha-russa de diferentes tons que apesar de não conseguir alcançar a perfeição em seus episódios finais como prometia no início, ainda fornece muito para o espectador admirar. Trata-se de um insano híbrido de gêneros, criado para realmente mexer com nossas cabeças.

Baseada em um webtoon criado por Hong Jac-ga, Dr. Brain aplica seu surreal mix de estilos para criar uma história que é parte um drama familiar, parte alegoria sci-fi sobre os perigos da tecnologia, e parte filme de ação. E o melhor disso tudo é que Jee-won equilibra todos os elementos com sua habitual habilidade, conduzindo com inteligência a crescente carga emocional da jornada de Sewon à medida em que as revelações vão surgindo em seu caminho, sem esquecer de criar algumas sequências realmente tensas, incluindo um espetacular tiroteio no terceiro episódio. O ritmo dos seis episódios é frenético, ainda que os citados dois episódios finais exagerem na exposição e eliminem muito cedo o suspense. Dr. Brain é uma série tão bizarra que é compreensível que se torne menos interessante quando tem que explicar a si mesma, mas mesmo assim Jee-won nunca perde o controle do ritmo ou inteligência de seu produto.

Ajuda também o fato de Jee-won possuir um tremendo olho para o visual e continuidade. Outros diretores com certeza teriam perdido a mão com as alterações de tom e mudanças de gênero, mas as fortes composições do diretor mantêm a obra coerente e uniforme como um todo. Depois do estrondoso (e merecido) sucesso de Parasita, a esperança era de que com o tempo as pessoas descobrissem os outros belíssimos trabalhos de Bong Joon-ho. Agora, espero que o mesmo aconteça com esta Dr. Brain e Kim Jee-woon, outro grande expoente de um cinema (e TV) que merece ser cada vez mais descoberto.

Avaliação: 3 de 5.

Dr. Brain teve seu primeiro episódio disponibilizado no streaming da AppleTV no dia 04 de novembro, e seus próximos cinco episódios serão disponibilizados semanalmente toda quinta-feira.

O Trailer de DR. BRAIN (2021)

3 comentários sobre “Crítica: Dr. Brain (2021)

  1. Pingback: Crítica: Profecia do Inferno (Hellbound/Jiok) | 2021 – Os Filmes do Kacic

  2. Pingback: Crítica: Sleep (Jam) | 2023 | Os Filmes do Kacic

  3. Pingback: Crítica: Projeto Silêncio (Talchul: Project Silence/Project Silence) | 2023 | Os Filmes do Kacic

Deixe um comentário