Crítica: O Último Duelo (The Last Duel) | 2021

Quando você examina a fundo a filmografia do interminável diretor Ridley Scott, você constata que mesmo do alto de seus 83 anos de idade, ele nunca fez o mesmo filme duas vezes. Depois de seu surgimento com o indelével Alien: O Oitavo Passageiro (1979), Scott trocou os aliens pela alienação no mítico Blade Runner: O Caçador de Andróides (1982), e seguiu explorando uma miríade de gêneros em filmes como Thelma & Louise (1991), Hannibal (2001), Robin Hood (2010) e Perdido em Marte (2015). Mesmo quando explorou o terreno dos épicos históricos, com seu consagrado Gladiador (2000) e o ótimo Cruzada (2005), Scott explorou dois campos completamente distintos. Ele retorna ao gênero mais uma vez de maneira original com este O Último Duelo (The Last Duel, EUA/UK, 2021, 152 min.), adaptando o livro de não-ficção do escritor Eric Jager, com os roteiristas Matt Damon e Ben Affleck (escrevendo juntos 24 anos depois de Gênio Indomável), e Nicole Holofcener (Poderia Me Perdoar?). O resultado é uma trama medieval brutal e mesmerizante, mas também inconsistente.

No filme, A Guerra dos Cem Anos está arrasando a França, e o cavaleiro Jean de Carrouges (Damon), tem estado em combate longe de casa por quase um ano. Quando Jean retorna da batalha, ele é completamente surpreendido com o que se sucedeu com sua esposa Marguerite (Jodie Comer, do recente Free Guy: Assumindo o Controle): ela alega ter sido estuprada pelo melhor amigo de Jean, o também cavaleiro Jacques LeGris (o requisitado Adam Driver), e ao transmitir a chocante notícia para seu marido, à beira da fogueira em uma noite fria, ela pede em prantos para que ele acredite nela. Jean vê que a mulher está emocionalmente devastada, e então ele decide acreditar nela e ir ao tribunal, para solicitar ao Rei que sua honra seja restaurada em um duelo na arena com LeGris.

Ben Affleck em O ÚLTIMO DUELO (THE LAST DUEL) | 2021

Com estas cenas iniciais, Scott estabelece as maquinações de sua trama, que utiliza diferentes perspectivas na estrutura da narrativa para aumentar o senso de incerteza na cabeça do espectador. O filme é dividido em três capítulos, cada um deles sob o ponto de vista de um personagem diferente. Da perspectiva de Jean, Marguerite foi estuprada por Jacques por ciúme de seus feitos em batalha. No capítulo seguinte, a abordagem é bem mais ambígua, onde Jacques acredita que ele próprio é inocente ainda que uma brutal cena de estupro indique o contrário. O último (e menos eficaz) capítulo pertence a Marguerite, a única pessoa que guarda a verdade sobre o que realmente aconteceu.

A atmosfera de O Último Duelo é propositalmente estéril. A neve cai em vales vazios e castelos opressivos, figuras humanas estão sempre envoltas em sombras, e a arena onde Jean e Jacques acertam suas diferenças é tenebrosa. Mais uma vez trabalhando com o diretor de fotografia Dariusz Wolszki (Prometheus, Perdido em Marte), Scott utiliza os arredores de seu filme como metáforas para alienação. O que é frustrante em O Último Duelo é uma repentina reviravolta na trama quando o filme atinge o ponto de uma hora de duração, que acaba dividindo a produção em duas metades que são significativas, mas também ambíguas e insípidas. Scott e seus roteiristas optam por abandonar o mistério, e todas as três perspectivas dos protagonistas acabam sendo as mesmas no fim das contas. Uma vez que os três flashbacks são revelados, é difícil evitar a sensação de ter sido enganado. O terceiro ato também não é nada sutil em sua mensagem, que tenta soar atemporal mas fracassa na empreitada.

Apesar das inconsistências de tom e narrativa, as performances são fortes e confiáveis. A história se estende por vários anos, e os atores lidam com habilidade com o peso do luto, da perda e do trauma em diferentes épocas, alterando suas emoções de acordo com o flashback em que estão. Damon se destaca no elenco, entregando a melhor performance entre todos, e uma das melhores de sua carreira. A fotografia é outro ponto alto, especialmente no modo como acompanha as alternâncias do personagem de Damon, uma vez um herói de guerra, e agora um homem arruinado, de honra manchada. No início, vemos Jean como uma figura heróica, onde a câmera o captura em câmera-lenta ou de um ângulo inferior, mas Scott e Wolszki encolhem o personagem à medida em que o tempo passa, posicionando a câmera à certa distância, e enquadrando-o à sombra de seus parceiros de cena.

Tal artifício é apenas uma das inúmeras maneiras que Scott tem para demonstrar seu imenso alcance como diretor. O Último Duelo é rico e vívido, ainda que perca parte de sua força na metade final. De qualquer forma, trata-se de um válido esforço de um cineasta que parece sempre disposto a explorar novas possibilidades.

Avaliação: 3 de 5.

O Último Duelo estreia nos cinemas brasileiros no dia 14 de outubro.

O Trailer de O ÚLTIMO DUELO (THE LAST DUEL) | 2021

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