Crítica: O Culpado (The Guilty) | 2021

É tentador dizer que Jake Gyllenhaal é, dentre outros, o melhor ator de sua geração. É incrível a consistência deste ainda jovem ator ao longo de sua carreira. Mesmo em seus filmes mais fracos, Gyllenhaal se sobressai em relação a todo o resto. Neste O Culpado (The Guilty, EUA, 2021, 90 min.), ele não só é o protagonista, como também o produtor do longa, tendo adquirido os direitos do ótimo original dinamarquês, Culpa, dirigido por Gustav Möller em 2018. No papel de um oficial de polícia em desgraça, Gyllenhaal é pura explosão e fúria. Desde o início deste novo filme do diretor Antoine Fuqua (Dia de Treinamento, O Protetor), Gyllenhaal coloca o filme debaixo do braço e domina total.

A abordagem de Gyllenhaal ao papel funciona durante toda a produção, mas o mesmo não pode ser dito do filme como um todo, que derrapa em alguns momentos mas que nesta atualização americana, provavelmente irá empolgar quem não conhece a história e até satisfazer os fãs do filme original. Se você já viu o filme de Möller, então basicamente você viu também o filme de Fuqua, mas a performance de Gyllenhaal adiciona um senso de tudo ou nada à produção, que se valoriza também do roteiro do especialista do gênero Nic Pizzolatto (True Detective), que adiciona ressonância à nova versão.

Jake Gyllenhaal em O CULPADO (THE GUILTY) | 2021

Ambientado em Los Angeles, O Culpado se passa durante o auge da temporada de incêndios do verão americano, e como alguns flashes de reportagem revelam, também um período de inquietação social. A coisa está literalmente pegando fogo na cidade, cuja paisagem está coberta pela fumaça. É neste cenário que surge nosso protagonista, o policial Joe Baylor (Gyllenhaal), que além de sofrer de asma crônica, vive um verdadeiro inferno tanto na vida pessoal quanto na profissional. Forçado a cobrir o centro de serviço de emergência telefônica da cidade (o 911), como punição por razões que aos poucos vão sendo reveladas, Joe é pura raiva acumulada. Ele está puto com o mundo, e o mundo parece estar ainda mais puto com ele.

Fuqua e o designer de produção Peter Wenham (O Ultimato Bourne), renderizam o centro de emergência da cidade como um mundo próprio, lotado de telas enormes, que transmitem todo o caos que se desenrola na cidade em tempo real. O trabalho de Joe é relativamente fácil; atender a chamada, obter informações do que aconteceu e o local, despachar as autoridades para ajudar, e atender a próxima ligação, e por aí vai. O que não ajuda em nada é a atitude de Joe, especialmente em um trabalho que ele desesperadamente não quer fazer. Ele trata as pessoas que ligam com desdém; Alguns merecem, como um homem mal-educado que liga para reclamar que foi roubado por uma prostituta; mas outros não; estes estão procurando ajuda desesperadamente para resolver problemas que eles não podem resolver sozinhos.

Entra em cena Emily (voz de Riley Keough). A personagem é uma das muitas no filme que existe somente como uma voz ao telefone; Fuqua sabiamente evita associar nomes de personagens às pessoas que ligam para o 911, ainda que o filme tenha um elenco de apoio pesado, de nomes como Peter Sarsgaard e Ethan Hawke. Emily liga, Joe atende a chamada, e a mulher, aos prantos, finge estar falando com sua filha, como forma de iludir seus captores. Ela foi sequestrada, e não pode dizer a verdade para Joe. Porém, ele logo percebe que algo muito estranho está acontecendo, e ele precisa colocar de lado seu péssimo humor e seus próprios problemas familiares para descobrir como encontrar Emily e de alguma forma, salvar sua vida.

Joe pode não ser exatamente um tira agora, mas ele ainda possui seus instintos, suas fontes, e sua impetuosa atitude. Operando os telefones, a tensão cresce, e segredos são revelados. Ainda que Gyllenhaal não esteja sozinho na empreitada, O Culpado é essencialmente um filme sobre um cara no telefone. E se for para ter um cara no telefone, ainda bem que ele é Gyllenhaal, que consegue transitar por uma estonteante gama de emoções e preocupações e atitudes, sempre com um iPhone na orelha e um fone de ouvido na cabeça. Com tudo isso, e Gyllenhaal ainda consegue transmitir com maestria o principal detalhe da situação: Joe está aterrorizado, como não poderia deixar de ser.

Enquanto o roteiro de Pizzolatto coloca um número considerável de variantes atraentes na mistura (alguns questionamentos mais profundos, como o papel da polícia no mundo moderno), alguns outros elementos não funcionam tão bem. É preciso certa tolerância do espectador em relação à verossimilhança de alguns aspectos da trama, e o filme se ressente de um pouco da tensão elevada do original. Entretanto, a performance explosiva de Gyllenhaal mantém a produção sempre viva, se movendo em diferentes direções ao mesmo tempo e estimulando quem assiste.

Ainda que algumas escolhas relativas ao design de som pareçam um tanto óbvias (afinal estamos falando de um filme que transcorre unilateralmente através de telefones), O Culpado encontra outras formas sensacionais se transmitir sua mensagem, como por exemplo na maneira em que o computador de Joe o “pinta” e por consequência transmite as emoções do protagonista; Vermelho: ele está em chamada, vivo e na ativa. Azul: A chamada se foi, e Gyllenhaal esmorece, vazio. Em uma vida abalada por más escolhas, esta noite terrível é tudo o que Joe tem, e à medida em que Fuqua e Gyllenhaal caminham em direção à impressionante conclusão do filme, não há como negar: Quando a chamada cair, não há mais volta.

Avaliação: 2.5 de 5.

O Culpado estreia no catálogo da Netflix no dia 01 de outubro.

O Trailer de O CULPADO (THE GUILTY) | 2021

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