Crítica: A Lenda de Candyman (Candyman) | 2021

Quando chegou aos cinemas em 1992, o horror O Mistério de Candyman não teve a recepção esperada. Talvez esperando um slasher tipicamente ao estilo dos anteriores Sexta-Feira 13 e A Hora do Pesadelo, o público e a crítica não deram ao filme do diretor Bernard Rose o peso que o filme merecia. Baseada no conto “The Forbidden” do mestre do horror Clive Barker (que vinha em alta depois do sucesso de Hellraiser: Renascido do Inferno), a versão de Rose chegou em um mundo completamente diferente do que vivemos hoje. A luta por igualdade racial não era vista com a urgência que é vista hoje, o que fez com que o filme protagonizado por Tony Todd no papel-título fosse visto como mais um mero filme de horror. Coisa que o filme nunca foi. O Mistério de Candyman é um terror para adultos, que carrega um punch muito mais relevante do que sua mera sinopse sugere.

Primeiro de tudo, é preciso ressaltar que A Lenda de Candyman (Candyman, CAN/EUA, 91 min.), não é um remake do filme de 1992. Apesar de ser considerado uma espécie de “sequência espiritual” da referida produção, posso afirmar que depois de assisti-la, A Lenda de Candyman é praticamente uma sequência direta do filme de Bernard Rose. E tanto o filme de 1992 quanto esta sequência utilizam o horror para mergulhar mais fundo no lado obscuro da humanidade. Para quem não se recorda, O Mistério de Candyman acompanha a estudante de graduação Helen Lyle (Virginia Madsen), que durante sua tese sobre lendas urbanas da cidade de Chicago, acaba obcecada pela lenda de Candyman, uma figura sinistra que tem um gancho no lugar de uma das mãos e que aparece para quem proferir seu nome em frente ao espelho cinco vezes.

Yahya Abdul-Mateen II em A LENDA DE CANDYMAN (CANDYMAN) | 2021

A tese de Helen se baseia no que exatamente as lendas urbanas têm a dizer sobre os medos culturais coletivos, tanto conscientes quanto inconscientes. As trágicas raízes por trás da lenda de Candyman estão totalmente ligadas ao terrível passado racista do território americano, que se refletem no presente do filme, mais precisamente em um conjunto habitacional pobre e violento da cidade. Nesta sequência, co-escrita e dirigida por Nia DaCosta (do drama Passando dos Limites) e produzida por ninguém menos que Jordan Peele (Corra!, Nós), a trama está de volta à Chicago, mais uma vez nos arredores do mesmo conjunto habitacional, ainda que muita coisa lá tenha mudado. O bairro passou por uma massiva gentrificação; na verdade, o conjunto habitacional em si foi demolido poucos anos depois dos eventos do primeiro filme, e os personagens no centro da história desta vez são o pintor Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II, de Aquaman), e sua agente e parceira Brianna Cartwright (Teyonah Parris, da série WandaVision).

Hoje é Anthony o obcecado por Candyman. Ele acabou de saber sobre esta lenda urbana, e tal lenda “fala” com ele por razões que ele inicialmente não compreende. Ao pesquisar a história em torno da lenda, ele acaba chegando ao conto de Helen Lyle, que com o passar dos anos ganhou um aspecto quase que mitológico, cada vez mais distante da realidade. Anthony fica sabendo dos detalhes através de Burke (Colman Domingo, da série Fear the Walking Dead), um ex-morador do local e também artista que diz ter sido visitado por Candyman quando criança. Eventualmente, as investigações de Anthony o levarão diretamente à Helen e sua história, que, como Anthony irá descobrir, estão mais ligadas do que ele imagina.

A Lenda de Candyman inexoravelmente entrelaça os inescapáveis legados de violência racial com os limites entre a apropriação cultural e a genuína inspiração artística. A perniciosa influência do racismo histórico nos dias de hoje, e a forma com que a riqueza e influência acabam não sendo suficientes para proteger pessoas da discriminação, também estão na pauta. Algumas partes da história de Helen e outros aspectos das descobertas de Anthony são demonstradas em cena através da utilização de marionetes de papel, exatamente como no primeiro (e espetacular) trailer do filme. Trata-se de uma maneira esperta, bela e inesperadamente profunda de contar uma história livre das amarras do mundo físico, num conceito incrivelmente original que revela ao mundo o talento de Nia DaCosta na direção.

Se existe algo que A Lenda de Candyman é bem-sucedido em transmitir é a ideia de que nem as piores, nem as mais terríveis histórias devem ser enterradas. Elas devem ser lembradas e as lições delas tiradas devem ser levadas às pessoas. Assim como no filme de 1992, o gore está bem presente, ainda que de maneira menos impactante. A Lenda de Candyman é em si menos impactante do que o filme original, apesar de seu tom denunciatório. O mais assustador no filme de DaCosta não são sangue e vísceras, nem monstros de outras dimensões que chegam para atacar. O horror desta sequência é menos alegórico e mais pautado na realidade, no poder maligno do ódio, da intolerância, do mal que que se esconde nas sombras da sociedade e que frequentemente expõe sua face horrenda.

Avaliação: 3 de 5.

A Lenda de Candyman estreia nos cinemas brasileiros no dia 26 de agosto.

O Trailer de A LENDA DE CANDYMAN (CANDYMAN) | 2021
O “Paper Trailer” de A LENDA DE CANDYMAN (CANDYMAN) | 2021

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